Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

DA CONCISÃO III

Mário Dionísio, Saudades do Carlos de Oliveira, 1988.
Imagem daqui.

"Provérbio

A noite é a nossa dádiva de sol aos que vivem do outro lado da Terra."

Carlos de Oliveira, Trabalho Poético, Lisboa,
Livraria Sá da Costa Editora, 1982, p. 57.


JANELA PARA UM FUTURO...



O Blog “Ler para Ser” permite que cada um de nós que percorre as várias publicações viaje por partilhas, reflexões e sugestões de páginas a descobrir, que permitem um mergulho em muitos temas e assim diríamos que este blog é um meio que potencia momentos de aprendizagem ao longo da vida.
Falar de aprendizagem ao longo da vida, na atualidade, parecer ser falar de um conceito cada vez mais distante, numa crença de uns quantos D. Quixotes de La Mancha…
Parece que tendemos a valorizar apenas uma educação centrada no eixo formal e nas dimensões do “saber saber” e do “saber fazer”. Parece que retrocedemos à realidade identificada no diagnóstico da educação no Relatório “Um tesouro a descobrir” para a UNESCO (Comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI, sob a presidência de Jacques Delors – 1996): “Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem (…)”.

Na atualidade a palavra mais usada, no nosso país e em muitos outros países, é a palavra “crise”, a ela estão correlacionadas outras tantas palavras como: cortes, despesa, endividamento, despedimentos, aumentos… palavras cheias de um sentido que nos vai vergando e nos remete ao silêncio, a uma insignificância, a uma pequenez desconcertantes e a um futuro que mais parece recuar a um passado de opressão e fechado a diversos níveis. Sente-se ruir um dos pilares base da educação, um pilar que ainda pouco sólido, mas já vinha ganhando visibilidade em algumas dinâmicas de aprendizagem ao longo da vida, refiro-me ao pilar da educação “aprender a ser”. Defendido no passado mas projetado para o futuro, defendendo a educação como um todo e com um papel essencial para “(…)conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu próprio destino”.  Jacques Delors, no Relatório “Aprender a Ser” de 1972.
A aprendizagem ao longo da vida é uma travessia num mar umas vezes sereno, outras vezes revolto, mas que ruma sempre a um desafio maior (ainda que possa requerer alguns ajustes na rota), mas que tem sempre como horizonte: ancorar numa elevação da qualificação escolar, numa valorização profissional ou simplesmente no concretizar de um sonho outrora adiado. Quero acreditar que esta travessia merece ser respeitada e continuada.
Texto e fotos da autoria de Maria Júlia da Ponte Bentes, Profissional de Reconhecimento e Validação de Competências, atualmente Técnica de Diagnóstico e Acolhimento, no Centro Novas Oportunidades da Escola Secundária José Saramago - Mafra.

DA CONCISÃO II

Soseki, Haiku
Imagem daqui.


“Quando uma vez lhe mostraram um epigrama de um verso e meio, Nicolas de Chamfort (1741-1794), ele próprio um mestre da mordacidade concisa, observou que o epigrama revelaria mais espírito se fosse mais breve. O epigrama, o aforismo, a máxima são o haiku do pensamento. Procuram concentrar o grau último da intuição penetrante no mais pequeno número de palavras possível. Quase por definição, e até mesmo quando se atém mais estritamente a uma prosa coloquial, o aforismo aproxima-se da condição da poesia. A sua economia formal visa surpreender num relâmpago incontestável; visa tornar-se singularmente memorável, à maneira do poema. Na realidade, as máximas ou apotegmas mais célebres caracterizam-se muitas vezes por uma modulação que se situa entre a grande poesia ou arte dramática e a natureza anónima do provérbio. Ficamos por um momento incapazes de recordar a origem pessoal exacta da máxima. (…) Em que texto encontramos o dito que contribuiu para desencadear toda uma revolução na história da percepção e das formas, segundo o qual «a natureza imita a arte»? As sóbrias iluminações de Shakespeare, Laurence Sterne e Oscar Wilde entraram em glória na linguagem corrente.
Na literatura francesa, os registos aforístico e epigramático desempenham um papel excepcional. (…)
Qual a razão da predilecção francesa pelo aforismo? (…) Uma das respostas referir-se-á a uma latinidade explícita e orgulhosa. A literatura e o pensamento franceses orgulham-se da sua afinidade com a fonte romana. Os usos romanos, nos domínios tanto do poder político como do discurso, atribuíam um valor eminente à sobriedade. A brevidade não formava somente a alma da inteligência; era também uma convenção masculina no campo do comando e do autocomando, a manter mesmo sob a pressão extrema do maior risco particular ou cívico. (…) É da sua herança latina que a própria língua francesa toma o seu ideal de la litote [litotes]. Understatement [eufemismo] é uma tradução coxa. Uma litotes, como a encontramos persistentemente no maior dos escritores franceses – Racine -, é a expressão cerrada e densamente concentrada de uma imensidão essencial, ou por vezes grandeza, reconhecida no ser humano e nas suas emoções. É, no seu núcleo mais peculiar, essa irrupção de silêncio que os pilotos dizem registar-se no centro do furacão.”
George Steiner, George Steiner em The New Yorker, org. de Robert Boyers, Lisboa, Gradiva, 2010, pp. 309-311.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

DA CONCISÃO I

Carlos de Oliveira, Belém do Pará, 1921 - Lisboa, 1981
Imagem daqui.

"Definição

O sal é o mar servido à mesa nas suas praias domésticas de linho."

Carlos de Oliveira, Trabalho Poético, Lisboa,
Livraria Sá da Costa Editora, 1982, p. 57.
 
 

JOÃO GUIMARÃES ROSA - SAGARANA

Mural do Museu Sagarana, em Itaguara, Minas Gerais, Brasil.
Foto daqui.


“Quando vim, nessa viagem, ficar uns tempos na fazenda do meu tio Emílio, não era a primeira vez. Já sabia que das moitas de beira de estrada trafegam para a roupa da gente umas bolas de centenas de carrapatinhos, de dispersão rápida, picadas milmalditas e difícil catação; que a fruta mal madura da cagaiteira, comida com sol quente, tonteia como cachaça; que não valia a pena pedir e nem querer tomar beijos às primas; que uma cilha bem apertada poupa dissabor na caminhada; que parar à sombra da aroeirinha é ficar com o corpo empipocado de coceira vermelha; que, quando um cavalo começa a parecer mais comprido, é que o arreio está saindo para trás, com o respectivo cavaleiro; e, assim, longe outras coisas. Mas muitas mais outras eu ainda tinha que aprender.
Por aí, logo ao descer do trem, no arraial, vi que me esquecera de prever e incluir o encontro com Santana. E tinha a obrigação de haver previsto, já que Santana – que era também inspetor escolar, itinerante, com uma lista de dez ou doze municípios a percorrer – era o meu sempre-encontrável, o meu «até-as-pedras-se-encontram» - espécie esta de pessoa que todos em sua vida têm.”
Palavras iniciais do conto de João Guimarães Rosa, “Minha Gente”, da obra Sagarana, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 28ª edição, 1984, p. 185.


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

NADIR AFONSO

Nadir Afonso, Procissão em Veneza, 2002
Imagem daqui.

A partir de 30 de agosto e até 10 de novembro, estará patente, em Veneza, no Istituto Veneto di Scienze Lettere e Arti, no Palazzo Loredan, a exposição Nadir Afonso. Dall'estetica surrealista alla città cromatica, com obras do arquiteto e pintor português, nascido em Chaves, em 1920.
Mais informações em www.nadirafonso.com

SALOIOS III

Imagem daqui.

“I- O que são Saloios, e sua origem:
Segundo a magistral explicação dada pelo Prof. David Lopes em 1917, o vocábulo Saloio ou Çaloio (melhor grafia) é de origem arábica, e significa fundamentalmente «habitante do campo, em oposição ao da cidade: apelidação, pois, de desdém com que a gente polida da cidade designava a população inculta dos campos, campónio, enfim».
Concorda na essência com este étimo a significação que sempre se atribuiu a Saloio: «o agricultor do termo de Lisboa, que traz a vender os frutos e pão à cidade» (Morais).
E o mesmo étimo justifica, em parte, a menção que todos, ou quási todos, os que têm falado dos Saloios fazem, de que eles provêm dos Mouros, que D. Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa (1147), deixou ficar em seus lugares e fazendas, mediante certo tributo que lhe pagariam (Mouros forros). Digo em parte, porque há-de entender-se que em Lisboa e arredores não havia então somente Mouros, havia ao mesmo tempo Cristãos, isto é, Moçárabes, que constituíam a população autóctone. Mais claro: a primitiva gente de que provieram os Saloios, regulando-nos pelo étimo, constava pois de Mouros e Cristãos. E até observa Herculano que, quanto à população da cidade e arredores, depois da reconquista, o elemento cristão, pelo decurso dos tempos, absorveu em si o mourisco. Muitas pessoas desconhecem ou esquecem tudo isto com frequência.
Custa igualmente a crer que certos autores, como Alberto Pimentel, se comprazam em afirmar que o Saloio «tem muito de Mouro, alguma cousa de Berbere…, é Africano de origem, e os seus hábitos de vida, as suas tendências hereditárias ainda hoje o revelam». Tudo fantasias. Para se definir o tipo físico dos Saloios necessita-se de que a Antropologia diga alguma cousa; e os nossos antropólogos ainda não falaram a tal respeito.
Pimentel parte de premissas não provadas, e tudo quanto deduz delas padece do defeito original. Dá como próprios dos Saloios trajos, costumes, vocábulos, que se encontram, mais ou menos, por toda a parte. A própria nora existe no Sul do Tejo. (…) Não são somente as Saloias que trabalham duramente no campo; as Minhotas trabalham por igual, e é cousa sabida que por todo o Portugal a mulher toma parte na vida agrária, e isso já se documenta na época romana, quanto aos Galecos. (…)
Da etimologia descoberta e justificada pelo D.r David Lopes, e do uso do vocábulo, resulta que Saloio não passa, originariamente, de alcunha, imposta primeiro pelos Árabes, e depois adoptada pelos Cristãos, e continuada na linguagem até hoje. (…)
O haver entre nós tantas alcunhas étnicas não me fez hesitar em escolher para título do presente discurso uma expressão em que entrasse o vocábulo Saloios: com efeito, Saloios é agora mais que alcunha, é designação étnico-geográfica, que perdeu ou atenuou a primitiva acepção de acrimónia, e se aplica a uma área tradicional, determinada, e não vaga, que data de tempos muito remotos, e com a qual os respectivos indivíduos não se ofendem, quando empregada a sério. Ouve-se a cada passo: morar nos Saloios ou lá para ao Saloios, ir aos Saloios, ou para os Saloios, vir dos Saloios. Eles próprios (…) adoptam a palavra na qualificação de cousas suas. De um povo itálico, os Sabinos, que confinava com os Latinos, diziam os Romanos: ex Sabinis, in Sabinis. (…)”
José Leite de Vasconcelos, “Os Saloios (na Estremadura Cistagana)”, in Etnografia Portuguesa, vol. III, pp. 271-274.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

FESTIVAL DE LITERATURA


Imagens e mais informações aqui.

Este ano a escritora homenageada no 6º Festival de Literatura de São João del Rei, Brasil, será Adélia Prado.

Fica aqui, também em jeito de homenagem, um poema lido pela autora.




EÇA DE QUEIRÓS - O EGITO EM 1869

"Ali, as coisas imensas têm a perfeição
das coisas delicadas: o mar lembra uma
pervinca; o céu, uma ametista...
Aquela região é a pátria das almas."
Eça de Queirós

Delta do Nilo.
Imagem daqui.


“III
ATRAVÉS DO DELTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O EGIPTO CONTEMPORÂNEO
Era uma manhã um pouco húmida. Grandes nuvens brancas, estiradas, riscavam o céu descorado.
Ao princípio, terras pálidas, lívidas, cortadas de valas de água, como tiras horizontais, uniformes, tristes. Depois as terras desaparecem, e o comboio corre sobre uma estreita caleira de pedra, através do lago. Vê-se, então, no horizonte, reluzir lividamente aquela água imóvel, pesada de sol, estirada, levemente franzida de vento. Mais tarde, começam a negrejar de novo as aparências de terra, árvores, troncos – sem uma erva, sem uma besta – até que por fim se entra nos campos de cultura.
Vemos até ao largo horizonte os descampados frescos, cheios ainda do Nilo. A paisagem é uma grande planície verde, marejada de água. Não há paisagem tão serena, tão humana, tão docemente fecunda: nenhum contraste, nenhuma violência de perfis de montes – tudo largo, liso, imenso e coberto de luz.
O verde e a água resplandecem. Sente-se a riqueza, a abundância… Por toda a parte as searas e as águas fecundas. Os caminhos encolhem-se para não tomarem espaço…
Água, verdura, cultura, trabalho, riqueza: são os grandes tesouros do Nilo. (…)
O verde é profundo: sente-se a forte seiva saciada de água. Os trigos reluzem batidos de luz, e entre eles passeiam gravemente as íbis, as aves sagradas do velho Egipto. (…)
Aquela paisagem imponente, de uma grande severidade, de uma beleza grave, passa rapidamente aos dois lados do vagão. O Nilo ali é estreito, menos largo que o Tejo. Uma vegetação poderosa, profunda, violenta, cobre as margens, e vem mergulhar as suas raízes na água. Ao longe, as culturas têm o aspecto de uma decoração maravilhosa. É solene, é quase bíblico, de uma serenidade profunda e consoladora. Sente-se que quem atravessa aquelas culturas deve falar baixo. Do céu cai uma luz imóvel e abundante.”
Eça de Queirós, O Egipto – Notas de Viagem, Lisboa, Edição Livros do Brasil, s/d, pp. 50-52.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A UNIFICAÇÃO DO EGITO

Egito, Assuão: o rio Nilo e o deserto (maio de 2010)
 

“Antes da unificação política do Egito, que terá ocorrido cerca de 3000 a. C., já a região nilótica a norte da primeira catarata estava unida do ponto de vista cultural e material, com o rio Nilo a cumprir a sua milenar missão de polo congregador de populações vindas do Norte e do Sul, e também, ao longo dos V e IV milénios a. C., núcleos humanos fugindo de regiões vizinhas do Leste e do Oeste cada vez mais desertificadas. A riqueza da terra banhada pelo Nilo, com notória abundância de recursos e de grande fertilidade, justificou que os Egípcios chamassem ao seu país «A Negra» (Kemet ou Kemi), aludindo à cor escura da sua úbere terra agrícola, surgindo ainda nos textos os nomes de Ta-meri (Terra Amada) ou Te-netjeru (Terra dos Deuses). Era um nítido contraste com a árida terra vermelha do deserto circundante (…). Quanto ao nome que os Egípcios atribuíam a si próprios, ele demonstra igualmente uma lógica e notável simplicidade: eram os Remetu-kemi, os «Homens da (terra) negra», ou Negros, e esta designação impunha-se por oposição aos Khasetiu, os nómadas do deserto, aos quais ainda se aplicava, entre outras, a curiosa designação de Chasu, ou «Corredores da areia», e também por oposição aos Nehesiu, os Pretos das regiões a sul da primeira catarata, e que depois se associou à designação mais genérica de Núbios.

A existência de duas realidades geográficas levou a que ao longo de três mil anos de história se refletissem a nível político e ideológico: o Alto Egito ou Ta-chemau, e o Baixo Egito, ou Ta-mehu. E nesta circunstância avultava o papel centrípeto do líder, desde cedo rei e deus, a que se juntava a língua como fator de unidade nacional.”

Luís Manuel de Araújo, Os Grandes Faraós do Egito – 30 Faraós, 30 Dinastias, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2011, pp. 47-48.


CORTO MALTESE

Corto Maltese
Imagem daqui.

A personagem de referência do ilustrador veneziano Hugo Pratt, Corto Maltese, o grande aventureiro, está exposta na Fundação Eugénio de Almeida, em Évora.

Em Corto Maltese: Viagem à Aventura poderão ser visitadas 51 obras, aguarelas, tinta-da-china e guache, até ao dia 2 de dezembro.

Para mais informações, consulte o sítio da Fundação Eugénio de Almeida.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

TAPEÇARIAS DE PASTRANA

Detalhe de um dos panos que compõem as tapeçarias de Pastrana.
Imagem daqui.


Depois de terem estado expostas em Lisboa, no Museu de Arte Antiga, em 2010, as Tapeçarias de Pastrana poderão ser de novo admiradas nos Estados Unidos da América, a partir de 18 de setembro, numa exposição chamada A Invenção da Glória: Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana.

As tapeçarias, compostas por quatro panos tecidos na oficina Passchier Grenier, em Tournai, na Flandres, por encomenda de D. Afonso V, retratam a conquista de Arzila e a ocupação de Tânger em 1471, pelos Portugueses. Obra monumental (11 metros por 4) e enigmática, terá desaparecido de Portugal, sendo mais tarde encontrada em Espanha, onde permaneceu na colegiada de Nossa Senhora da Assunção, Pastrana, Gaudalajara.

Para mais informações visite o sítio do Instituto Camões


 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O DESENHO DA ESCRITA

Poesia Visual: Epitalâmio Barroco (Século XVIII)
Imagem daqui.


“Quando no século XVIII Voltaire dizia que «a escrita é a pintura da voz» e no século anterior Georges de Brébeuf observava que a escrita é «uma arte engenhosa de pintar a palavra e falar aos olhos», ambos faziam eco do pensamento de Aristóteles que, na sua Lógica, afirmou que enquanto as palavras faladas são os símbolos da experiência mental, as palavras escritas são os símbolos das palavras faladas. (…)

Quando a velha arte da escrita, tendo-se lentamente libertado das peias da originária função de puro registo de factos ou coisas e sacralizando os seus símbolos desenvolveu a consciência do seu carácter artístico, abriram-se as portas para as mais diversas formas de representação, incluindo a perturbante categoria do belo, que frequentemente se faz acompanhar da assistência do ornamental, do decorativo. (…)

Quando o poeta não apenas escreve mas pensa a escrita, penetra no âmago da sua própria criação, e o leitor, refazendo esse percurso, torna-se também, de certa maneira, um criador, repondo no texto a presença do autor que a escrita obliterara.

O mundo da escrita é o mundo do silêncio que a leitura anima. A escrita é uma fala muda, reproduz o silêncio do mistério que o iniciado penetra através da leitura. Os antigos compreenderam o significado profundo desse processo e por isso equipararam o entendimento do mundo à leitura de um livro cuja interpretação competia aos iniciados que deveriam empenhar-se tanto na descoberta como na preservação dos seus enigmáticos segredos. (…)”

Ana Hatherly, “A Escrita como Arte de (Re)Conhecer”, in AA.VV., A Escrita das Escritas, Coordenação de Luís Manuel de Araújo, obra editada por ocasião da exposição A Escrita: Traços e Espaços, Lisboa, Museu das Comunicações, Fundação Portuguesa das Comunicações e ESTAR Editores, 2000, pp. 167-170.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

FESTIVAL DE LIVROS E CINEMA

Imagem daqui.


A Revista LER, a EGEAC e a Câmara Municipal de Lisboa preparam uma iniciativa que congrega Cinema e Literatura, no Cinema São Jorge, em Lisboa, de 4 a 9 de dezembro de 2012.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

JOSÉ LEITE DE VASCONCELOS - VIAJAR

Imagem retirada da obra de José Leite de Vasconcelos, De Campolide a Melrose.


"Nada nos educa e ilustra como viajar! Se viajamos por terras de civilização superior à daquela em que vivemos, tomamos exemplo da superioridade; se viajamos por terras de civilização inferior, aprendemos também alguma coisa, não só porque nem sempre essa inferioridade existirá em toda a linha, como porque não há povo que não possua um quê especial, cujo conhecimento não importe a quem tem o hábito de estudar."

J. Leite de Vasconcelos, De Campolide a Melrose, Lisboa, Imprensa Nacional, 1915, p. 1.

 
 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DAMIÃO DE GÓIS E O HUMANISMO


As Tentações de Santo Antão, detalhe do tríptico de Hieronymus Bosch (1500)
Imagem daqui.


“- Vem comigo – diz pegando-me na mão e puxando-me para dentro do quadro, já don Beltrán cabriolava lá adiante.
                Não sei como mas creio que sobrevoámos as águas de um pântano horrível povoado de monstros e logo nos encontrámos em cima duma espécie de palco. Em frente de nós a torre em ruínas de um castelo. Passeia pelos muros escalavrados uma gazela que traz às costas uma ferreirinha, na escuridão um avejão com asas sinistras e rabo de cobra vigia do alto o terreno e um monstro misto de lagarto e ave dependurada da beira das ruínas espia para baixo, onde se abre uma como gruta (…).
                Só agora reparava. Antão está ali (…). Rodeiam o santo uns estranhos seres, por minha fé. Da esquerda vejo um cortejo de donas bem arriadas e coifadas que à volta de mesa redonda servem extravagantes acepipes: uma delas, de tez morena, oferece com a direita um copo de não se sabe quê, a seu lado, muito branca, acolita outra e a seguir uma negra ergue ao alto uma salva com um pequeno macaco que por sua vez eleva um ovo acima da cabeça; atrás delas, no focinho-trombeta trombeteia um ser encapuchado de negro (…).
                - É notável, Damião, quanto aqui acontece. Repara mais uma vez no quadro…
                - Mas eu estou dentro dele com estes companheiros. Não me canso de olhar, de tentar desvendar tudo isto que me rodeia.
                - Atenta nos seres disformes, monstruosos que o autor criou.
                - Tenho-o esmiuçado.

                - De um modo geral dir-se-ia que o pintor não se deixou cair na vulgaridade de repetir seres fabulosos da Antiguidade. Não há aqui grifos, sereias, esfinges, harpias, polifemos, unicórnios, basiliscos, cérberos… (…)
                - … voou ao ar, escavou a terra, mergulhou nos pântanos, poços e furnas da água, entrou nas fráguas do fogo…
                - … e tomou rápidos apontamentos…
                - … de bicos, garras, asas, espinhos, ossos, girinos, cascas, cepos retorcidos, focinhos, presas, fauces, dentes aguçados, caveiras, espetos, élitros (…)
                - Grande século é o nosso – afirmou Hitlodeu. – Não pequeno contributo para esta nova visão das coisas, do mundo, da vida – costumes, crenças, diferenças de raças, cor da pele, pensar -, trouxeram os descobridores da Terra a esta nascente idade. Julgo que só se pode compreender este quadro com os olhos do mundo… no tempo e no espaço…
                - E este gosto, este renascer do mundo antigo grego e romano? – perguntei em minha ingenuidade. – Não. Não posso concordar contigo. Seria um paradoxo…
                - Paradoxo aparente – interveio Erasmo. – Este renascimento significa o desejo de que nada ficará como estava e o homem há-de ocupar de novo o seu lugar de centro da cultura e da vida. Não é a isso que se chama humanismo?”
Fernando Campos, A Sala das Perguntas, Lisboa, Difel, 2005, pp. 70-75.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

OS ALFABETOS DOS ARTISTAS

Artists’ Alphabets
Imagem de John Rieben, daqui.

Exposição a vistar no MoMA, em Nova Iorque, até ao dia 22 de outubro de 2012.


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DONA GRACIA NASI - A SENHORA

O percurso de Dona Gracia Nasi e da sua família, após a fuga de Portugal, em 1537.
Imagem daqui.


Excerto da primeira parte da obra A Senhora, de Catherine Clément.

"1510-1536
A MENINA DA MAÇÃ VERMELHA
Nós, os Marranos vindos da Península Ibérica, nunca tivemos o direito de usar os nossos nomes judeus. Tínhamos de escolher entre partir ou mudar de identidade. Quantos nomes usámos nós, quantas vezes os mudámos… Perpétuos mascarados, eis o que somos. Em Portugal, era João Miguez, em Inglaterra, em Veneza, em Ferrara, John Miquez, Juan Micquez, ou ainda, Juan Micas, como queiram; aqui, Yusuf Nasi… E ela, como lhe chamarão os vindouros? Gracia, Hannah ou Beatriz?
A Senhora nasceu em Portugal, em 1510, sob o nome cristianíssimo de Beatriz de Luna. Eu vim ao mundo cinco anos mais tarde; era filho de seu irmão mais velho, que tinha, por seu lado, tomado o nome de Miguez. O nosso verdadeiro nome era Nasi, que quer dizer príncipe. Pobres de nós! Nessa época já não éramos príncipes, mas proscritos disfarçados.
Quando os reis espanhóis decidiram expulsar o nosso povo, a Senhora não era nascida. Mas a história dessa calamidade marcou, desde o nascimento, os filhos dos primeiros exilados. (…)
O dia 31 de Março de 1492 foi um dia de luto para o povo judeu e assistiu ao começo de novo êxodo. Deram quatro meses aos nossos antepassados para deixar tudo; eles partiram em plena canícula, no mês de Agosto, pelas estradas calcinadas, e levaram apenas as Toras. Diz-se que para os encorajar naquela marcha esgotante, se cantava, e que as crianças tocavam tambores; houve mortes, houve nascimentos; uns foram até ao mar, ao Sul, e alguns embarcaram; outros foram para Portugal. Foi o caso da nossa família que se instalou na capital.
Se os Judeus eram pobres, pagavam cada um oito cruzados à chegada e obtinham oito meses de tranquilidade; se eram ricos, à razão de cem cruzados por pessoa, podiam estabelecer-se em Portugal. Os Nasi tinham dinheiro; permaneceram, mudaram de nome e acreditaram estar salvos. Era não contar com o obstinado fervor de Isabel, a Católica, que deu sua filha Isabel a Manuel de Portugal; quatro anos depois do édito espanhol, era a vez do rei Manuel obter do Papado o direito a expulsar os seus Judeus como os soberanos de Espanha. Foi o que em breve aconteceu."
Catherine Clément, A Senhora, Porto, ASA Editores II, S. A., 2002, pp. 19-21.

BEATRIZ DE LUNA, aliás GRACIA NASI

Dona Gracia Nasi, selo comemorativo de 1992.
Imagem daqui.


"Figura cimeira da história do sefardismo, Beatriz de Luna é mais conhecida pelo seu nome judaico: Gracia Nasi. (…)
Terá nascido em Lisboa, por volta de 1510, no seio de uma importante família de cristãos-novos. A data do seu casamento com o importante banqueiro Francisco Mendes também é desconhecida, no entanto, alguns autores, como Cecil Roth, avançam com a hipótese de ter sido em 1528. O casamento seguiu o rito católico mas não é de excluir a hipótese de que no interior do lar tivesse tido lugar uma cerimónia judaica.
Este casamento terá sido relativamente breve, uma vez que Francisco morreu logo em 1535, pouco tempo depois do nascimento da sua única filha Ana Mendes. Com a viuvez, Beatriz ganha um novo estatuto e uma nova posição na sociedade do seu tempo, o que viria a conceder-lhe prerrogativas completamente estranhas às mulheres do seu tempo. Hábil mulher de negócios, Gracia geriu desde muito cedo os destinos da casa Mendes, uma das principais casas comerciais da época. No entanto, os seus biógrafos não hesitam em realçar a sua faceta religiosa, dimensionada no seu apoio às edições de cariz religioso, à construção e sustentação de diversas sinagogas em território otomano e, talvez o aspecto mais importante, o projecto de refundação de Tiberíades, uma das mais importantes cidades do judaísmo, o local para onde fugiram os sacerdotes após a destruição do Templo de Jerusalém no século I d.C., e o local onde foi compilada a mishnah. A admiração por esta «mulher de armas» começou logo no seu próprio tempo, a Senhora (termo pelo qual é comummente designada) está presente nos relatos escritos de todos aqueles que directa ou indirectamente com ela se cruzaram. (…)
Contudo, após a morte de Francisco, a sua posição era bastante melindrosa uma vez que as fortuna dos Mendes era extremamente cobiçada pela corte de D. João III. O rei toma providências para fazer o inventário de bens de Francisco, que é executado, apesar dos protestos da família, quatro anos após a morte do mesmo. Uma outra frente de pressão da coroa sobre a família centra-se na filha, uma das herdeiras da fortuna dos Mendes. O rei tenta por todas as vias levar a jovem Ana para a casa da Rainha Dona Catarina, visando o seu futuro casamento com algum elemento próximo da casa real. (…) Um outro aspecto que dificultava a posição dos Mendes em Portugal, após a morte de Francisco, relacionava-se com as complicadas negociações entre Lisboa e Roma, a fim de estabelecer a Inquisição em Portugal, o que era contrariado – e financiado – pelos Mendes a partir de Antuérpia. A correspondência do núncio estante em Portugal demonstra bem essas dificuldades.
Por todos estes motivos, a manutenção da família em Lisboa é cada vez mais insustentável e a fuga acaba por ocorrer em 1537 (já depois do estabelecimento do Santo Ofício). (…)”

“Luna, Beatriz de”, entrada do Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses – Mercadores e Gente de Trato, Direção Científica de A. A. Marques de Almeida, Lisboa, Campo da Comunicação, 2009. Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e cofinanciado pela Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste”

A ler:
Catherine Clément, A Senhora, Porto, ASA Editores II, S. A., 2002.


terça-feira, 14 de agosto de 2012

PALAVRAS ANDARILHAS

Imagem do sítio da Câmara Municipal de Beja.


O "festival" da narração com contadores portugueses e estrangeiros, Palavras Andarilhas, evento organizado conjuntamente pela Biblioteca Municipal José Saramago e pela Associação para a Defesa do Património Cultural da Região de Beja, continuará, este ano, a contar com o cenário da cidade de Beja e decorrerá entre o dia 30 de agosto e o dia 1 de setembro.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

DAMIÃO DE GÓIS - da origem do nome da cidade de Lisboa

Olissipo quae nunc Lisboa..., de Georg Braun (1541-1622)

“Há duas cidades que, nestes nossos tempos, se podem chamar com razão senhoras e rainhas do Oceano, pois, por sua direcção e domínio, as naus percorrem, hoje em dia, todo o Oriente e todo o Ocidente.
A primeira, Lisboa, situada na boca do Tejo, arroga-se o domínio daquela parte do Oceano que, num abraço imenso do mar, rodeia a África e a Ásia. A outra, Sevilha, voltada para o Ocidente, desde o rio Guadalquivir, patenteou à navegação a parte do orbe que hoje se chama Novo Mundo. (…)
Não me atrevo a afirmar com certeza, a tamanha distância de séculos, qual fosse o verdadeiro fundador de Lisboa.
Os escritores antigos incluem-na entre as mais antigas cidades da Hispânia. Varrão chama-lhe Olisiponem; Ptolomeu, Oliosiponem; Estrabão dá-lhe o nome de Ulisseam, e parece atestar, seguindo a informação de Asclepíades Mirliano, que foi fundada por Ulisses.
Este Mirliano presidiu, de facto, na Turdetânea, a um desafio literário, e escreveu um livro sobre a gente daquela região. Diz ele que em Lisboa, no templo de Minerva, se encontram pendentes alguns objectos, tais como escudos, festões, esporões de navios, que pareciam fazer alusão às viagens de Ulisses. (…)
Não me atrevo a estabelecer sem bases a origem do nome de Lisboa; talvez isso parecesse a muita gente um caso fabuloso – tão fabuloso como aquele facto que Varrão foi buscar a Justino, o qual escreve que «na Lusitânia, onde está a cidade de Lisboa, no monte Tagro, as éguas ficam prenhes só pelo vento». (…)
Como há pouco dissemos, nada nos consta ao certo quanto à origem e causa do nome da cidade de Lisboa. Também não vimos, nos autores gregos e latinos, coisa digna de nota, a respeito da sua história antiga, ou dos feitos nela praticados em tempos idos, embora não haja dúvida de que, na cidade onde se encontram, nos nossos dias, tantos elogios e epitáfios, em latim, gravados na pedra, tenha havido, em épocas antigas, muitos e grandiosos feitos, com que se pudesse ilustrar e ornar este meu trabalho. Mas todas essas coisas, como é legítimo supor, pereceram e desapareceram, talvez mais por desgasto do tempo do que por descuido dos homens.”
Damião de Góis, Descrição da Cidade de Lisboa, tradução do latim de Raúl Machado, Lisboa, Frenesi, 2000, pp. 17-35.

Damião de Góis nasceu em Alenquer, em 1502. Grande humanista português, de origem nobre, estudou em Itália e efetuou várias missões diplomáticas no estrangeiro, tendo sido amigo de Erasmo de Roterdão. Além da Descrição da Cidade de Lisboa, publicou várias obras, destacando-se  a Crónica do Felicíssimo Rei Dom Emanuel (1566) e a Crónica do Príncipe Dom João (1567). Foi perseguido pela Inquisição. Morreu em Alenquer, em 1574, supostamente assassinado.
A obra Descrição da Cidade de Lisboa pelo Cavaleiro Damião de Góis ao Ínclito Príncipe, Dom Henrique, Infante de Portugal, Eminentíssimo Cardeal da Santa Igreja Romana, do Título dos Quatro Santos Coroados foi pela primeria vez dada à estampa em 1554.


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DE LISBOA (1723-1726)

Vista do Tejo e de uma parte do Terreiro do Paço, antes de 1755
Estampa de Maillet (Paris, 1760)

“Portugal de norte a sul não tem mais que cem léguas e da costa à fronteira não mede mais de trinta e cinco; a Corte, porém, em dias de gala, é tão grande como se o país fosse vastíssimo. O rei compraz-se em vestir esplendidamente e o melhor meio para lhe cair em graça e ter acesso à sua pessoa é, quem tal pretenda, apresentar-se ricamente vestido.
Os grandes do reino residem habitualmente em Lisboa e as equipagens e palácios que possuem são magníficos, o que contribui muito para o embelezamento da cidade que está sendo muito frequentada por forasteiros provindos de todas as nações da Europa, atraídos pela curiosidade e particularmente por interesses mercantis. Embora em cada casa fidalga existam mais de cem criados, incluindo negros e moleques, a despesa com esta criadagem é módica pois não vai além do que custa uma ração de arroz, diariamente. (…)
O edifício da Alfândega não tem beleza mas está bem situado, à margem do Tejo. Conseguir qualquer despacho nesta Alfândega é o cabo dos trabalhos, tantas têm de ser as assinaturas no mesmo documento com que se hão-de retirar as mercadorias. Oferece-se ali, porém, uma vantagem aos comerciantes, a de lhes ser permitido armazenar ali mercadorias e de as irem retirando à medida das necessidades, sem mais qualquer encargo. A maior parte dos comerciantes não retiram os géneros sem os terem vendidos e facturados aos seus fregueses. A Alfândega dá ao rei o seu melhor rendimento na Europa.
O mercado designado por Ribeira não fica distante da Alfândega. Vende-se ali de tudo, peixe, caça, galináceos, hortaliças, tudo, enfim, o que é necessário à vida. O mercado de peixe de Lisboa é, sem possível contestação, o melhor da Europa pela variedade de peixe que ali se encontra. O Terreiro do Trigo fica-lhe nas imediações e ali se vendem as várias qualidades de cereal. (…)
É coisa de admirar que na cidade de Lisboa apareça água por toda a parte, seja no alto das colinas, seja a meia encosta ou ainda na parte baixa. Acontece contudo, frequentemente, que uma vasta casa que possui um bom poço se encontre de um dia para o outro sem água em virtude de algum vizinho ter aberto, em plano inferior, um outro poço. Se isto acontece na casa de um grande senhor que possua equipagem, a casa pode dizer-se que perdeu todo o valor por causa da despesa a que nestas condições obriga a obtenção da água para saciar as mulas e os cavalos. (…)
A água de Lisboa não é má e as cozinhas do rei estão bem providas dela, possuindo torneiras donde emana com abundância. Os portugueses bebem em púcaros de barro de Estremoz. Este barro é vermelho, muito leve e cheira a terebentina. Os portugueses encontram-lhe um gosto delicioso."(…)
Charles Frédéric de Merveilleux, “Memórias Instrutivas sobre Portugal, 1723-1726”, in O Portugal de D. João V visto por três forasteiros, tradução, prefácio e notas de Castelo Branco Chaves, Lisboa, Presidência do Conselho de Ministros – Secretaria de Estado da Cultura, Série Portugal e os Estrangeiros, Biblioteca Nacional, 2ª edição, 1989, pp. 215-216.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A FORMOSA LUSITÂNIA EM 1873

Imagem daqui.
"Um passeio em Portugal, se o viajante ignora a língua, escasso aproveitamento ou prazer lhe proporciona. Imaginar, como bastante gente imagina, que não há nada a lucrar com o conhecimento do idioma português, é erro fundado em mero preconceito, porque as cidades de Portugal encerram interessantes memórias do passado, que merecem mais atenção do que até hoje têm atraído. Há ali grande número de escritores talentosos, quer antigos quer modernos, historiadores, escritores científicos, dramaturgos, vigorosos romancistas e outros autores, que encantam com a elegância e graça do estilo, fantasia poética, espírito e vivacidade que reluz em suas obras. E hoje em dia, que mais luminosas investigações elucidaram os documentos das eras passadas e corrigiram erros que a história transmitira, os arquivos nacionais de um povo que já foi a primeira entre as nações, por navegações, descobrimentos e conquistas na Índia, com monarcas famosos por ilustração, magnificência e incentivo às artes, ou belicosas façanhas, devem necessariamente ser interessantíssimos e por nenhuma maneira desdenhados.
Ai! Amesquinhado Portugal! Como é que um país tão belo, cuja capital é a segunda em formosura entre as cidades da Europa, cujo povo é tão policiado, bondoso, hospitaleiro, (…), seja enxovalhado, como acontece, pelo restante mundo, e considerado menos valioso e interessante dos reinos da Europa? Por que não vão ali os nossos artistas em busca de inspirações novas para o seu pincel? Por que as não procuram na Formosa Lusitânia, nas encantadoras margens do Minho, nas alpestres belezas das ribas do Douro, do Tejo e do Mondego? Os nossos viajantes, aborrecidos das estradas chãs, e das paisagens que por toda a parte parecem as mesmas, por que não se embrenham por aqueles sertões alcantilados? Se o fizerem, decerto serão liberalmente recompensados. A perspectiva tem encantos de originalidade e frescura variadíssimos: serranias escarpadas, profundas barrocas, grandes ladeiras de arvoredo e matagal, bosques de castanheiros e extensos sobreirais, olivedos, laranjais e limoeiros de lustrosa folhagem, compridas latadas afestoadas de parras, montes fragosos com as cristas verdejantes de arbustos, ramarias de variado colorido desde o opaco das sombras até ao verde mais suave; vastas penedias vestidas de musgo, ruínas pitorescas de castelos mouriscos e mosteiros góticos, rápidos córregos por entre curvos salgueirais, orlados de aromáticos relvedos. De quase todas as eminências, algumas léguas sertão dentro, podem avistar-se aspérrimas ribas do mar com as suas arenosas baías ou enseadas; ao longe, a infinda amplidão do Atlântico, e as suas ondas, agora cintilantes com um colorido de opala quando refrangem os raios solares, logo toucadas de espuma, rugindo estridorosamente a quebrarem-se em furiosas catadupas de encontro à cinta dos penhascos, a dissolverem-se em milhares de fantásticas figurações."
Lady Jackson, A Formosa Lusitânia – Portugal em 1873, Tradução e Notas de Camilo Castelo Branco, Casal de Cambra, edição Caleidoscópio, 2007, pp. 10-11.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

LIVRO DE COZINHA DA INFANTA D. MARIA DE PORTUGAL - I


 Imagem daqui.


Em 1565 celebrou-se em Portugal o casamento de D. Maria de Bragança (Lisboa: 1538 - Parma: 1577) com Alexandre Farnese (Roma: 1545 - Arras: 1592), tornando-se a Infanta D. Maria, filha do Infante D. Duarte e neta do rei D. Manuel I, Princesa de Parma e Piacenza.

Terá feito parte do enxoval da Infanta aquele que é conhecido como o Livro de Cozinha da Infanta D. Maria, documento manuscrito atualmente na Biblioteca Nacional de Nápoles, com a referência I-E-33.

Este primeiro livro de cozinha portuguesa é composto por várias receitas de culinária, acrescidas de receitas diversas para uso doméstico. Divididas em cadernos, as receitas são agrupadas por categorias: carne, ovos, leite e conservas.

O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria teve uma edição crítica da Imprensa Nacional Casa da Moeda, da autoria de Giacinto Manuppella, em 1986.