Olissipo quae nunc Lisboa..., de Georg Braun (1541-1622)
“Há duas cidades que, nestes nossos tempos, se podem chamar com razão senhoras e rainhas do Oceano, pois, por sua direcção e domínio, as naus percorrem, hoje em dia, todo o Oriente e todo o Ocidente.
A primeira, Lisboa, situada na boca do Tejo, arroga-se o domínio daquela parte do Oceano que, num abraço imenso do mar, rodeia a África e a Ásia. A outra, Sevilha, voltada para o Ocidente, desde o rio Guadalquivir, patenteou à navegação a parte do orbe que hoje se chama Novo Mundo. (…)
Não me atrevo a afirmar com certeza, a tamanha distância de séculos, qual fosse o verdadeiro fundador de Lisboa.
Os escritores antigos incluem-na entre as mais antigas cidades da Hispânia. Varrão chama-lhe Olisiponem; Ptolomeu, Oliosiponem; Estrabão dá-lhe o nome de Ulisseam, e parece atestar, seguindo a informação de Asclepíades Mirliano, que foi fundada por Ulisses.
Este Mirliano presidiu, de facto, na Turdetânea, a um desafio literário, e escreveu um livro sobre a gente daquela região. Diz ele que em Lisboa, no templo de Minerva, se encontram pendentes alguns objectos, tais como escudos, festões, esporões de navios, que pareciam fazer alusão às viagens de Ulisses. (…)
Não me atrevo a estabelecer sem bases a origem do nome de Lisboa; talvez isso parecesse a muita gente um caso fabuloso – tão fabuloso como aquele facto que Varrão foi buscar a Justino, o qual escreve que «na Lusitânia, onde está a cidade de Lisboa, no monte Tagro, as éguas ficam prenhes só pelo vento». (…)
Como há pouco dissemos, nada nos consta ao certo quanto à origem e causa do nome da cidade de Lisboa. Também não vimos, nos autores gregos e latinos, coisa digna de nota, a respeito da sua história antiga, ou dos feitos nela praticados em tempos idos, embora não haja dúvida de que, na cidade onde se encontram, nos nossos dias, tantos elogios e epitáfios, em latim, gravados na pedra, tenha havido, em épocas antigas, muitos e grandiosos feitos, com que se pudesse ilustrar e ornar este meu trabalho. Mas todas essas coisas, como é legítimo supor, pereceram e desapareceram, talvez mais por desgasto do tempo do que por descuido dos homens.”
Damião de Góis, Descrição da Cidade de Lisboa, tradução do latim de Raúl Machado, Lisboa, Frenesi, 2000, pp. 17-35.
Damião de Góis nasceu em Alenquer, em 1502. Grande humanista português, de origem nobre, estudou em Itália e efetuou várias missões diplomáticas no estrangeiro, tendo sido amigo de Erasmo de Roterdão. Além da Descrição da Cidade de Lisboa, publicou várias obras, destacando-se a Crónica do Felicíssimo Rei Dom Emanuel (1566) e a Crónica do Príncipe Dom João (1567). Foi perseguido pela Inquisição. Morreu em Alenquer, em 1574, supostamente assassinado.
A obra Descrição da Cidade de Lisboa pelo Cavaleiro Damião de Góis ao Ínclito Príncipe, Dom Henrique, Infante de Portugal, Eminentíssimo Cardeal da Santa Igreja Romana, do Título dos Quatro Santos Coroados foi pela primeria vez dada à estampa em 1554.