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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 27 de setembro de 2016

ESCREVER NA PRÓPRIA LÍNGUA


Imagem daqui.




"ESCREVER NA PRÓPRIA LÍNGUA

«Os judeus pedem milagres, os gregos pretendem a sabedoria.» Nada melhor do que estas palavras de S. Paulo, palavras evidentemente dum romano, ainda que transfigurado pela pressão do seu caso, do seu espinho, como ele lhe chamou. Sem este espinho, a vontade criadora, continuaremos a pedir milagres e a encher-nos de sabedoria. O espírito que cria uma obra ou que a projecta é um espinho na carne, é um combate formidável que só muito palidamente nos é sugerido nos grandes teatros da turbulência humana. Criar é ao mesmo tempo obediência e revolta. (...) É austero prazer e alegria corajosa; é uma arte curativa e é uma lei dinâmica.

Escrever na própria língua com que o mundo se abriu para nós é fazer a luz de novo. Damos às palavras novos padrões, fazemos delas sinais para assentar os templos e fechar as prisões. A língua portuguesa, ferro de marcar as ideias, como um rebanho solto no campo, deve ser usada como milagre e como sabedoria. Do primeiro tem a iniciação e a sensibilidade; da segunda tem a forma e a aprendizagem. Quem quiser escrever livros, conheça o seu buril, e a sua goiva e formão. Quem quiser fazer versos, tem que pedir ao céu carinhos, e ele os concede como inspirações.

Em todas as vocações há descoberta; depois emprego e, a seguir, maestria. Quem quiser dizer palavras, não as escreva. A escrita é para quem deseja produzir memória e ser cuidadoso da sua eternidade. A língua portuguesa é a escada com que se chega às longas viagens de uma identidade. Quer dizer: do coração colectivo da  terra em que nascemos."

Agustina Bessa-Luís, Caderno de Significados, selecção, organização e fixação de texto de Alberto Luís e Lourença Baldaque, Lisboa, Guimarães Editores, 2013, pp. 47-48.


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