Camilo Castelo Branco (1825-1890). Retrato fotográfico de 7 de março de 1882.
«Mestre do idioma, Camilo não é porém o mais perfeito dos prosadores da língua portuguesa. Falta-lhe o senso arquitectónico de Vieira, a doçura de Bernardes, o donaire de Garrett, a finura de Eça, a sobriedade de Machado de Assis. Escrevia de jacto, com poucas emendas, como se pode ver na edição em fac-símile do Amor de Perdição. Prosador poderoso, não é só um tombo de vocábulos, com esses falsos clássicos que sobrecarregam a página de expressões inúteis e inusitadas, numa complacência verbal que cai no rebuscado. A prosa de Camilo é opulenta, mas dinâmica e sempre criativa. Não inventaria palavras, mas cria-as ou dá um rosto novo a velhos vocábulos. Quantos neologismos cunhou, não arbitrariamente mas na fidelidade à raiz da língua. Como tradutor, encontrava sempre o termo mais feliz para uma dificuldade. De passagem, lá vai mostrando a sua mestria, quando, por exemplo, propõe "adrede" para à propos.
Um escritor assim vário permite muitas leituras. Há quem leia Camilo para aprender ou refrescar o idioma. Há quem o leia ainda pelo gosto de uma história de paixão fatal ("Senhores, apraz-vos escutar um belo conto de amor e de morte? (...)", como no clássico Tristão de Bédier). Há quem o leia enfim por curiosidade sociológica, como testemunho de uma época desaparecida, de capitães-mores, de morgados, de barões, de "brasileiros", de abades, de pais autoritários que recorriam a conventos para filhas rebeldes à todo-poderosa vontade paterna. Era um mundo ainda patriarcal e rural, que se levantava contra o "sacrilégio" de proibir a inumação em igrejas (essa fora a causa da revolta popular da Maria da Fonte) e malsinara como "diabólico" o caminho de ferro, que tornava obsoletas a liteira e a sege.
Se, como escreve Jean Guitton nas suas Memórias, "l'oeuvre ne se sépare pas de la personne qui s'exprime en elle", então no caso de Camilo, de personalidade tão forte, tal separação é impensável. Ele está presente, omnipresente na sua obra, como se víssemos o seu rosto e ouvíssemos a sua voz. Não se apaga mas intervém, não raro abusivamente, ao mesmo tempo autor e narrador, protagonista e deuteragonista, testemunha e comparsa. Muitas das melhores páginas camilianas, ainda na ficção, são páginas autobiográficas, como se não conseguisse nunca desprender-se da sua pele. Interrompe a narrativa, divaga, interpela o leitor, num diálogo que é uma forma de cumplicidade. Os leitores são os seus melhores aliados - aqueles que testemunham sempre em favor dele. A impassibilidade narrativa, a objectividade histórica, a neutralidade intelectual, Camilo ignora-as. (...)»
João Bigotte Chorão, O Essencial sobre Camilo, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998, pp. 57-58.
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