O Sr. José passou uma noite difícil,
a juntar às últimas que não haviam sido melhores. No entanto, apesar das fortíssimas emoções vividas durante a sua breve excursão nocturna, ainda mal tinha acabado de puxar a dobra do lençol para cima da orelha, conforme era seu hábito, e já havia caído num sono que qualquer pessoa, à primeira vista, denominaria profundo e reparador, mas logo saiu dele, bruscamente, como se alguém, sem respeito nem contemplações, o tivesse sacudido pelo ombro. Despertou-o uma ideia inesperada que lhe irrompeu no meio do sono, de um modo tão fulminante que nem deu tempo a que um sonho se tecesse com ela, a ideia de que talvez a mulher desconhecida, a do verbete, fosse, afinal de contas, aquela que ele ouvira a embalar a criança, a do marido impaciente, nesse caso a sua busca teria terminado, estupidamente terminado, no próprio momento em que deveria começar. Uma angústia súbita apertou-lhe a garganta enquanto a razão afligida tentava resistir, queria que ele mostrasse indiferença, que dissesse, Melhor assim, menos trabalho me dará, mas a angústia não desistia, continuava a apertar, a apertar, e agora era ela que estava a perguntar à razão, E que vai ele fazer, se já não pode realizar o que pensou, Fará o que sempre fez, recortará recortes de jornais, fotografias, notícias, entrevistas, como se não tivesse sucedido nada, Coitado, não acredito que o consiga, Porquê, A angústia, quando chega, não se vai embora com essa facilidade, Poderá escolher outro verbete e ir à procura dessa pessoa, O acaso não escolhe, propõe, foi o acaso que lhe trouxe a mulher desconhecida, só ao acaso compete ter voto nesta matéria, Não lhe faltam desconhecidos no ficheiro, Mas faltam-lhe os motivos para escolher um deles, e não outro, um deles em particular, e não um qualquer de todos os outros, Não creio que seja uma boa regra de vida deixar-se alguém guiar pelo acaso, Boa regra ou não, conveniente ou não, foi o acaso que lhe pôs nas mãos aquele verbete, E se a mulher for a mesma, Se a mulher for a mesma, então o acaso foi esse, Sem outras consequências, Quem somos nós para falar de consequências, se da fila interminável delas que incessantemente vêm caminhando na nossa direcção apenas podemos ver a primeira, Significa isso que algo pode acontecer ainda, Algo, não, tudo, Não compreendo, Só porque vivemos absortos é que não reparamos que o que nos vai acontecendo deixa intacto, em cada momento, o que nos pode acontecer, Quer isso dizer que o que pode acontecer se vai regenerando constantemente, não só se regenera como se multiplica, basta que comparemos dois dias seguidos, Nunca pensei que fosse assim, São coisas que só os angustiados conhecem bem.
José Saramago, Todos os Nomes, Lisboa, Editorial Caminho, 1998, pp. 47-48.