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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 1 de março de 2016

O EXERCÍCIO DA SABEDORIA DA LINGUAGEM


Imagem daqui.



"Não se dá a conhecer a poesia nas escolas para formar futuros poetas, mas os futuros poetas não deixarão de vir marcados pelos autores e pelas obras que leram. E, se se pode ler por conta própria, como que clandestinamente, porque nos não há-de isso ser ensinado? Terá a poesia interesses diferentes da educação? Todos estamos de acordo em que a família, a escola, a sociedade devem difundir valores positivos, cultivar o optimismo, servir os padrões sociais, exaltar o trabalho, a vida, o amor conjugal, a amizade, o interesse pelos outros, etc., etc. Não adianta talvez recordar o conhecido aforismo de Gide segundo o qual é com bons sentimentos que se faz má literatura. Isso só é verdade nos precisos termos em que é afirmado: quando se pretende exaltar os bons sentimentos cai-se muitas vezes nas obras medíocres. Mas também se pode falhar cantando valores negativos. E há obras que são obras de confiança no homem e na vida. Basta recordar Antoine de Saint-Exupéry, aliás atacado do lado da literatura designadamente por algum surrealista e, entre nós, Sebastião da Gama que, embora nem sempre bem aceite ou compreendido, escreveu o melhor da sua obra com acentuado teor optimista.(...)

Talvez se possa entender a poesia como o exercício da sabedoria da linguagem, numa definição ampla, que porventura terá o mérito de contemplar o que de mais geral, de mais característico, de mais permanente ela contém. Por outro lado, linguisticamente, a poesia configura-se como a violação, o afastamento em relação a uma norma que é a linguagem usada nas relações habituais entre os homens. Há um certo carácter revolucionário inerente a toda a boa poesia e a revolta nos temas ou motivos pode facilitar um certo vigor que nunca deve deixar de existir ao nível da expressão. Mas, um pouco paradoxalmente, a melhor poesia, entre ela e a poesia maldita, pode servir um ideal de comunhão entre os homens. Talvez nos seja lícito invocar a experiência pessoal para testemunhar que um poema como a ode de Álvaro de Campos, que começa: «Se te queres matar, porque não te queres matar?», pode em certos momentos restituir-nos a abalada confiança na vida. Porque onde duas almas se encontram alguma coisa repentinamente começa."

Ruy Belo, Na Senda da Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 100-101.

                                                     

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