O que importa é que as palavras, em contexto ficcional, nunca são neutras. São ultravibráteis. Ao menor movimento, ressoam. São caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa, a cada relance de luz. Não é indiferente lê-las numa página amarelada, numa página de brancura rasa, ao alto da folha, em baixo. A própria grafia implica uma ligeira alteração de tom. As palavras são volúveis. Vêm de contrabando, estabelecem-se, envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, outras vezes ficam adormecidas e são despertadas pelo beijo mágico de algum príncipe das letras, que pode ser um humilde jornalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância. Reverberam, espalham reflexos para todo o lado. São rebeldes, desapertam as cordas, esgueiram-se das clausuras. São leves e aéreas. São pesadas como tanques. Abismam-se, ampliam-se, encolhem-se. Redimensionam-se. São como o deus grego Proteu, sempre a mudar de forma e mesmo de género («mha senhor», dizia-se antes de «senhora» assumir o feminino). A mesma palavra, como se refere no Crátilo, de Platão, pode estar no Olimpo, na companhia dos deuses, ou na rua, entre a gentalha mais desordeira. A palavra depende sobretudo das companhias.
Mário de Carvalho, Quem Disser O Contrário É Porque Tem Razão, Porto, Porto Editora, 2014, p. 224.
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