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Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

JORGE DIAS - Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa

Jorge Dias (Etnólogo, 1907-1973)
Imagem daqui.

Recomendamos Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa, comunicação apresentada pelo etnólogo Jorge Dias no Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, realizado em Washington, de 15 a 20 de Outubro de 1950, e publicado em Coimbra em 1955, pela sua brilhante exposição e, curiosamente, pela actualidade de alguns dos aspectos focados. Para reflectir.

Ficam alguns excertos:

A GEOGRAFIA FAZ A HISTÓRIA
Embora a origem da Nação se deva também à política, à vontade de um príncipe, que naturalmente se aproveitou de certas aspirações de independência latentes nas populações de Entre Douro e Minho, a unificação e a permanência da Nação deve-se ao mar. Foi a grande força atractiva do Atlântico que amontoou no litoral a maior densidade da população portuguesa do Norte, criando como que um vácuo para o interior. Desde Caminha a Lisboa estabeleceram-se inúmeras amarras que defenderam Portugal da força centrípeta de Castela. Mas foi sobretudo o estuário do Tejo, esse forte abraço do mar com a terra, que definitivamente presidiu aos destinos de Portugal. Não houve o domínio de uma região sobre outras, antes se encontraram todas num ponto natural de convergência. É por isso que, ao contrário de Berlim ou de Madrid, capitais no centro das regiões dominadoras, Lisboa, na foz do Tejo, está mais apoiada no mar do que na terra. (...)

A PERSONALIDADE
Se a situação geográfica contribuiu indiscutivelmente para o carácter expansivo da cultura portuguesa, ela só não basta para explicar tudo. Além dela, temos de considerar a feição psíquica portuguesa e a maneira como esta actuou perante as circunstâncias. A personalidade psicossocial do povo português é complexa e envolve antinomias profundas (...).
O Português é um misto de sonhador e de homem de acção, ou, melhor, é um sonhador activo, a que não falta certo fundo prático e realista. A actividade portuguesa não tem raízes na vontade fria, mas alimenta-se da imaginação, do sonho, porque o Português é mais idealista, emotivo e imaginativo do que homem de reflexão. Compartilha com o Espanhol o desprezo fidalgo pelo interesse mesquinho, pelo utilitarismo puro e pelo conforto, assim como o gosto paradoxal pela ostentação de riqueza e pelo luxo. Mas não tem, como aquele, um forte ideal abstracto, nem acentuada tendência mística. O Português é, sobretudo, profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco. Não gosta de fazer sofrer e evita conflitos, mas, ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel. A religiosidade apresenta o mesmo fundo humano peculiar ao Português. Não tem o carácter abstracto, místico ou trágico próprio da espanhola, mas possui uma forte crença no milagre e nas soluções milagrosas. (...)

A SAUDADE
A mentalidade complexa que resulta da combinação de factores diferentes e, às vezes, opostos dá lugar a um estado de alma sui generis que o Português denomina saudade. Esta saudade é um estranho sentimento de ansiedade que parece resultar da combinação de três tipos mentais distintos: o lírico sonhador - mais aparentado com o temperamento céltico -, o fáustico de tipo germânico e o fatalístico de tipo oriental. Por isso a saudade é umas vezes um sentimento poético de fundo amoroso ou religioso, que pode tomar a forma panteísta de dissolução na natureza, ou se compraz na repetição obstinada das mesmas imagens ou sentimentos. Outras vezes é a ânsia permanente da distância, de outros mundos, de outras vidas. A saudade é então a força activa, a obstinação que leva à realização das maiores empresas; é a saudade fáustica. Porém, nas épocas de abatimento e de desgraça, a saudade toma uma forma especial, em que o espírito se alimenta morbidamente das glórias passadas e cai no fatalismo de tipo oriental, que tem como expressão magnífica o fado, canção citadina, cujo nome provém do étimo latino fatu (destino, fadário, fatalidade). (...)

O TEMPERAMENTO
Outra constante da cultura portuguesa é o profundo sentimento humano, que assenta no temperamento afectivo, amoroso e bondoso. Para o Português o coração é a medida de todas as coisas. (...)

A RELIGIÃO
A própria religião tem o mesmo cunho humano, acolhedor e tranquilo. Não se erguem nas aldeias portuguesas essas igrejas enormes e solenes, tão características da paisagem espanhola, que na sua imponência apagam a nota humana. A igreja portuguesa, ora caiada e sorridente entre ramadas, ora singela e sóbria na pureza do granito, é simplesmente a casa do Senhor. É sempre um templo acolhedor, habitado por santos bons e humanos. Não se vêem os Cristos lívidos e torturados de Espanha. A sensibilidade portuguesa não suporta essa visão trágica e dolorosa. (...)

A GENEROSIDADE
É a sobreposição dos valores humanos ao lucro e ao utilitário que explica muitos capítulos da nossa história e que nos deixa compreender muitas formas da sociedade actual. Tal mentalidade é a negação do espírito capitalista. No campo, sobretudo, é ainda viva a mentalidade patriarcal, onde a mesa está pronta para quem se quiser sentar e onde se não nega o pão e o caldo ao mendigo que passa. De dinheiro podem ser avaros, mas não fazem as contas ao que é da sua lavoura. (...)

O IMPROVISO
A imaginação sonhadora, a antipatia pela limitação que a razão impõe e a crença milagreira levam-no com frequência a situações perigosas, de que se salva pela invulgar capacidade de improvisação de que é dotado. (...) Nesses momentos a sua inteligência viva, a enorme capacidade de adaptação a todas as circunstâncias e o jeito para tudo permitem-lhe dominar as situações com êxito. (...)

A ADAPTAÇÃO
A capacidade de adaptação, a simpatia humana e o temperamento amoroso são a chave da colonização portuguesa. O Português assimilou adaptando-se. Nunca sentiu repugnância por outras raças e foi sempre relativamente tolerante com as culturas e religiões alheias. (...)

AS VIRTUDES E OS DEFEITOS
O Português, muito intimamente, é incapaz de ambicionar para a sua pátria o bem-estar e a prosperidade que, por exemplo, o Suiço conseguiu pelo esforço pertinaz e constante. É certo que o Português se envergonha perante um suiço, pelo elevado nível de vida que aquele soube conquistar, mas se fosse ele o suiço, envergonhar-se-ia da mesma maneira, por ter conseguido um bem-estar sem glória. É um povo paradoxal e difícil de governar. Os seus defeitos podem ser as suas virtudes e as suas virtudes os seus defeitos, conforme a égide do momento.


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