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“É ao
considerarmos as destruições de manuscritos árabes – no nosso território não
subsistiu nem um único dos tempos andalusinos – levadas a cabo pela
intolerância religiosa e pelo decurso do tempo, que nos espantamos ao constatar
quantos nomes de figuras luso-árabes ilustres que chegaram até nós. De muitos
deles perdurou, não apenas o nome, mas também a obra, ou parte dela, graças a
manuscritos esquecidos em velhas bibliotecas, de Fez a Istambul. Não fora essa
circunstância e os árabes filhos do nosso território não passariam de nebulosos
fantasmas iguais aos das lendas, sem rosto e, quase sempre, sem nome. (…)
O gosto
pela poesia era, nesses tempos, de tal maneira marcante que os árabes não
deixavam de incluir versos em qualquer tipo de obras, versassem elas sobre Gastronomia,
Medicina, Agricultura, Astronomia, Matemática ou, obviamente, Literatura.
Se em
todas as culturas a poesia é o imo das Belas-Letras, na cultura muçulmana essa
é uma verdade desde sempre corporizada interiormente pelos árabes. Como diz
Burckhardt (La Civilización
Hispano-Árabe), «as línguas tendem a
empobrecer-se com o decurso do tempo e não a enriquecer-se, e a riqueza
original, não desgastada com o passar do tempo, que possui a língua árabe,
manifesta-se precisamente na imensa riqueza de palavras e possibilidades expressivas;
ela é capaz tanto de designar um só objecto com vários termos, focando-o de
diferentes perspectivas, como de compreender através de um só termo vários
significados de coordenação interior mútua sem jamais ser ilógica.»
O árabe
beduíno do deserto, que fundou as matrizes da civilização muçulmana, não tinha
outra riqueza senão a língua. Por isso estimou-a, primeiro enquanto potencial
poético, e depois como idioma sagrado, com o advento do Islão. Os andalusinos,
uns árabes de origem e outros arabizados, mantiveram esta dinâmica e este culto
do verbo legando-nos milhares de obras poéticas, algumas das quais figuram
entre os maiores momentos da criação literária da Humanidade.
Portugal tem
o privilégio de contar entre os filhos do seu território muitos dos mais
notáveis poetas que o Alandalus produziu. O seu riquíssimo legado deu lugar,
inclusive, a novas morfologias literárias que vieram a contribuir para o surgimento
da lírica trovadoresca, após a conquista cristã. O génio peculiar dos árabes
andalusinos criou, com efeito, a muwashshaha e o zajal, géneros estróficos desconhecidos da poesia
árabe clássica, o que dá testemunho dos processos de osmose cultural entre as
tradições árabe e românica.
O tema da
saudade, fundador da lírica portuguesa, é filiável, em nossa opinião, no
lamento de amor (nasib) da ode (qasîda) árabe. (…)
Se, por
outro lado, considerarmos a incomparável mais-valia da poesia portuguesa relativamente
a todas as outras modalidades da nossa literatura, e o jeito improvisador do
nosso povo para as «rimas», exactamente como sucede entre os árabes, difícil de
torna excluir uma parentela espiritual nesse domínio.”
Adalberto Alves, A Herança Árabe em Portugal, CTT
Correios de Portugal, 2001, pp.65-69.
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