Alexandre Roubtzoff, Manoubia
“É do saber oriental a
preferência pelas formas não-discursivas. O provérbio, o prolóquio, a sentença,
o apotegma, o aforismo, o poema, ainda são os fascinantes relâmpagos que
iluminam a escuridade do saber. A prova, tanto se acha na Índia, como em Israel,
como na Arábia e, com efeito, o adagiário árabe é um longo colar de pérolas,
dispostas como astros, em torno do sol, contendo em enigma iluminativo todas as
experiências do saber. O adagiário português, onde se identificam os enigmas
provenientes da sabedoria grega, da cultura latina e da moralidade hebraica,
apresenta um depósito de provérbios e de aforismos orientais, cuja enumeração
seria inoportuna, e cuja forma se tem mantido nesse plano de conhecimento
adquirido nominado de «cultura popular». A medievalidade europeia imitou a
antiguidade oriental nos métodos didácticos das crianças e dos adultos,
valorando, não os grandes sermonários e as complexas sumas discursivas, mas as
alegorias, os símbolos, os exemplos, as fábulas, os apólogos e os ditos, ou
«grãos de bom senso». A faculdade imaginativa era viçosa na medievalidade (…). A
mãe de família e os avós tinham, nessa escola doméstica, uma função parabolar e
magistral e, no harém, os meninos aprendiam a ser adultos, educando
simultaneamente a imaginação, a intuição e a razão. Muitos dos contos, mitos e
ditos muçulmanos acham-se circunscritos à escola doméstica, ou palatina, de
modo que os jovens, antes de iniciarem a aprendizagem mesquital e das artes e
ofícios, já gozavam de algum saber bebido nas fontes populares, saber esse
envolvido na roupagem do mito, do enigma e da poesia.
(…) A poesia serve de
ponte entre a mística nativa e a filosofia grega, chega a exprimir uma atitude
filosófica, a veicular um pensamento filosófico. Há poemas que resultam em
exercícios paroxísticos e silogísticos, em paráfrases de ditos e feitos, em
glosas das sunas e das suras.
A sensibilidade à flor
da pele, a incansável intuição, o gesto de um pensamento que mais parece nascer
no coração do que na cabeça, acham-se no teor e na estesia da poesia árabe, em
que abundam os exemplos de poesia elegíaca, de poesia moral, ética, política,
filosófica, os exemplos dos cantos de amor e de guerra, e, enfim, de uma crença
em movimento expansivo.”
Pinharanda Gomes, História da Filosofia Portuguesa, 3- A Filosofia Arábigo-Portuguesa, Lisboa, Guimarães Editores, 1991, pp.210-211.
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