Casa saloia.
“Inaugurado o romantismo, não parece facil decidir
a qual dos seus dois primaciais corifeus, Almeida Garrett, e Alexandre
Herculano, cabe a prioridade do cultivo da novela, pois que, se o primeiro
começou a publicar em 1843 na Rev. univ.
lisbon., t. II, as Viagens na Minha
Terra, onde há um esbôço de romance, Joaninha,
ou a «menina dos rouxinois», o segundo trouxe a lume em igual ano no Panorama, 2ª serie, t. II, o princípio
do Parocho da aldeia (nova edição nas
Lendas: 1851). (…)
Nas Viagens
de Garrett contempla o etnografo panoramas do Ribatejo, e entre outras
particularidades encontra na descrição de Santarem uma versão da xácara popular
de Santa Iria. (…)
Herculano produziu igualmente romances e contos de
caracter historico. Omite-se agora a menção d’eles (…). Só do Parocho pertence falar.
A acção passa-se nos Saloios, e do caracter d’eles
e de suas industrias caseiras, tão proveitosas á capital, nos entretem o
circunspecto escritor. Em volta dos verdadeiros herois do romance, o paroco,
Bernardino, Manuel da Ventosa, magistralmente desenhados, circulam figuras
secundarias, que apresentam, ainda que ás vezes só de relance, feições não
pouco tipicas e curiosas que o etnografo muito gostará de conhecer, por
exemplo, a ama do padre, o sacristão, o garoto que toca o sino. Herculano aplica
intenso cuidado á observação da alma e vida popular, isto é, aos sentimentos,
linguagem, costumes, como o mostra em referencias a danças, trajos, comidas,
uso de rapé, medidas do tempo, na particularização de multiplos gestos,
expressões de uso comum, por exemplo: ...
segredo em boca de rapaz, outros dizem de mulher... é manteiga em nariz de cão...,
(…) ... pôr tudo ao olho do sol.., (…) ás vezes até transcrevendo-as
foneticamente, v. g. assaluto
(absoluto), (…)Graviel, «segundo a
mais euphonica pronuncia saloia», (…) Chico,
(…). Ha sufocante apêrto de gente numa igreja em dia de festa, e umas mulheres
vão passando de per meio: «dê
licença!..., ai, que me pisou!...», perdoe!..., não vê!: «eis o que se
ouviu murmurar por alguns instantes» (…). Como não amaria as cousas do povo
quem do povo proviera? Como não as exporia com exactidão quem tão preparado
genio possuia para o descobrimento da verdade historica? Da concorrencia d’estas
duas circunstancias nasceu, já a aparencia de realidade que, á parte acidentais
objurgações filosoficas contra o seculo, o romance patenteia, já deleite artistico
para as almas sensiveis.”
José Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, Vol. I, 1ª ed.
1933, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980, pp.177-178.
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