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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 19 de novembro de 2013

SALOIOS VI


François Gérard, Ossian na margem do Lora, invocando os deuses ao som de uma harpa
Imagem daqui.




Não faço eu tão fraca ideia de mim ou do leitor, que suponha assaz falta de interesse a minha narrativa ou o tenha a ele por um tal cabeça de vento, que admita se esquecesse da estrondosa gargalhada que desandou o padre prior ao manhoso saloio, quando este lhe propôs desse o dote a sua sobrinha Joana, à falta de outra mais digna. À descomunal risada é que o sono de Gabriel, se não quebrado inteiramente, ao menos já estalado pelo grito de Bartolomeu, não pôde resistir. O rapaz fez uma reviravolta, abriu os olhos, deu uma guinada ao corpo, ficou assentado, com as pernas estendidas e a cabeça inclinada sobre o peito, meditabundo por alguns momentos e imóvel, como um daqueles manigrepos de que reza Fernão Mendes Pinto. Depois, levando as mãos à cabeça, começou a coçar rápido de alto a baixo por cima das orelhas. Pouco durou, todavia, essa primeira fúria. Como o som da harpa de Ossian, alongando-se e esmorecendo por entre a nebrina das serras, aquele coçar de alma afrouxou e desvaneceu-se gradualmente; as mãos, confrangidas em forma de garra, espalmaram-se flexíveis, os braços, hirtos e erguidos, despenharam-se mortais ao longo do tronco, e a cabeça, sonolenta, balouçou à direita, depois à esquerda, depois pendeu de chofre para diante e resultou, quase ao bater sobre os joelhos, semelhante ao judeu martirizado pela Santa Inquisição, quando, ao descer pendurado da polé, a corda, atada mais curta que o espaço médio entre o chão e a roldana, o desconjuntava, retendo-o subitamente alguns palmos acima do pavimento. Assim se desconjuntou aquela máquina de sono, e Gabriel abriu seis vezes a boca, engradou-a com outras tantas cruzes, esfregou os olhos com a parte anterior do canhão da jaqueta, mirou por entre os sacos os dous velhos, embasbacou de ver ali o prior e, sem tugir nem mugir, pôs-se a escutar o diálogo que se travara entre ambos. (…)

                Segredo em boca de rapaz, outros dizem de mulher (eu, por decência e pelos meus princípios, sustento a moção relativa aos rapazes), é manteiga em nariz de cão. Ele, na verdade, contou-o com variantes para mais e para menos, mas contou-o, que é o caso.
Alexandre Herculano, “O Pároco de Aldeia”, in Obras Completas de Alexandre Herculano – O Pároco de Aldeia e O Galego, Vida, ditos e feitos de Lázaro Tomé, Livraria Bertrand, 1969, pp.137-138.

 

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