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Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

U OMÃI QE DAVA PULUS


Claude Lefebvre, Um Preceptor e o seu Aluno, s/d
Imagem daqui.

 


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                Um dia peguei em uma caneta, em um tinteiro e em uma folha de papel, e fui sentar-me a uma pequena mesa em um pequeno gabinete, e escrevi no alto da folha e em letras grandes:
U OMÃI QE DAVA PULUS
                Depois chupei o rabo da caneta, que sabia a lavado e a polido, e escrevi por baixo e em letras pequenas o seguinte:
U omãi qe dava pulus era 1 omãi qe dava pulus grãdes.
El pulô tantu qe saiu pêlo tôpu.
                Isto feito, levei o papel ao meu tio Maurício, que estava sempre a ler jornais. O tio Maurício olhou para o meu escrito e foi-se embora com ele sem me dar palavra. Dois dias mais tarde reuniu-se o III ConselhodeFamíliaporcausadoPequeno.
 
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                A partir desse evento, o meu futuro seria outro. Por determinação do Conselho, um Professor de Cultura Mental velaria pela minha inteligência, a qual, segundo o consenso familiar, corria grave risco de se interessar por coisas inquietantes.
                O Professor era idoso, bengaludo (falta de sinóvia), e tinha os mais compridos pêlos nasais que até hoje me foi dado contemplar. A sua maior glória era o ter sido perceptor (sic) de um Príncipe, e disso falava com sorrisos! Traçava algarismos de retorcida elegância, manejando, para esse efeito, um lápis verde-alface. Usava lenços brancos rescendendo a uma qualquer viril água-de-colónia, e a brancura da sua pele, do seu cabelo e dos seus punhos de camisa exigia (e alcançava) o amarelo contraponto do oiro, num par de botões de punho, numa corrente de relógio ventral, e numa finíssima aliança, daquelas que se abrem para mostrar uma data e um nome.
                Com voz forte e paciência longa ele me ensinou. Escritura, Leitura, Contabilidade, Reflexão Methódica e Saltos-para-o-ar. Ao nono dia do ensinamento realizei o projecto que pesava, havia tempos, no meu pensamento: pegando nos papéis, livros e alfaias outras que repousavam sobre a chamada Mesa de Trabalho (sem esquecer o lápis verde-alface), arremessei o todo pela janela aberta. Seguiram-se um segundo de silêncio, e, logo após, os gritos furiosos do Carpinteiro da Casa, a quem um Tractado de Ponderação Gaulesa machucara severamente um furúnculo.
                («Tinha a ideia de espremer este furúnculo amanhã de manhã», rezava a exposição escrita que o mesmo Carpinteiro endereçou nessa tarde ao meu avô. «E agora, pergunto a Vossa Excelência o que vou eu fazer amanhã de manhã?»).
                Como o avô era o único membro da Família que se encontrava em casa quando da minha rebelião, a ele se dirigiu o Professor, exigindo satisfações. (…)”
Nuno Bragança, A Noite e o Riso, in Obra Completa, Alfragide, Dom Quixote, 2009, pp.19-20.


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