Claude Lefebvre, Um Preceptor e o seu Aluno, s/d
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Um
dia peguei em uma caneta, em um tinteiro e em uma folha de papel, e fui
sentar-me a uma pequena mesa em um pequeno gabinete, e escrevi no alto da folha
e em letras grandes:
U OMÃI QE DAVA PULUS
Depois
chupei o rabo da caneta, que sabia a lavado e a polido, e escrevi por baixo e
em letras pequenas o seguinte:
U omãi qe dava pulus era 1 omãi qe dava pulus grãdes.
El pulô tantu qe saiu pêlo tôpu.
Isto
feito, levei o papel ao meu tio Maurício, que estava sempre a ler jornais. O tio
Maurício olhou para o meu escrito e foi-se embora com ele sem me dar palavra. Dois
dias mais tarde reuniu-se o III ConselhodeFamíliaporcausadoPequeno.
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A
partir desse evento, o meu futuro seria outro. Por determinação do Conselho, um
Professor de Cultura Mental velaria pela minha inteligência, a qual, segundo o
consenso familiar, corria grave risco de se interessar por coisas inquietantes.
O
Professor era idoso, bengaludo (falta de sinóvia), e tinha os mais compridos pêlos
nasais que até hoje me foi dado contemplar. A sua maior glória era o ter sido
perceptor (sic) de um Príncipe, e disso falava com sorrisos! Traçava algarismos de
retorcida elegância, manejando, para esse efeito, um lápis verde-alface. Usava lenços
brancos rescendendo a uma qualquer viril água-de-colónia, e a brancura da sua
pele, do seu cabelo e dos seus punhos de camisa exigia (e alcançava) o amarelo
contraponto do oiro, num par de botões de punho, numa corrente de relógio
ventral, e numa finíssima aliança, daquelas que se abrem para mostrar uma data
e um nome.
Com
voz forte e paciência longa ele me ensinou. Escritura, Leitura, Contabilidade,
Reflexão Methódica e Saltos-para-o-ar. Ao nono dia do ensinamento realizei o
projecto que pesava, havia tempos, no meu pensamento: pegando nos papéis,
livros e alfaias outras que repousavam sobre a chamada Mesa de Trabalho (sem
esquecer o lápis verde-alface), arremessei o todo pela janela aberta. Seguiram-se
um segundo de silêncio, e, logo após, os gritos furiosos do Carpinteiro da
Casa, a quem um Tractado de Ponderação Gaulesa machucara severamente um
furúnculo.
(«Tinha
a ideia de espremer este furúnculo amanhã de manhã», rezava a exposição escrita
que o mesmo Carpinteiro endereçou nessa tarde ao meu avô. «E agora, pergunto a
Vossa Excelência o que vou eu fazer amanhã de manhã?»).
Como
o avô era o único membro da Família que se encontrava em casa quando da minha
rebelião, a ele se dirigiu o Professor, exigindo satisfações. (…)”
Nuno Bragança, A Noite e o Riso,
in Obra Completa, Alfragide, Dom
Quixote, 2009, pp.19-20.
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