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"O assunto do último livro de José Luís Peixoto (n. 1974) é especioso. Reconhecida-mente especioso. E não gentil. Quase se poderia dizer que, em Portugal, chega a ser um tema fracturante. Trata-se da alegada (tal como dizem em linguagem jurídico-jornalística) aparição, numa azinheira da Cova da Iria, em Fátima, da Virgem Maria. (...) Na sua inesgotável posteridade, tais encontros imediatos de terceiro grau (dir-se-ia em linguagem cinéfila) podem suscitar eventualmente, hoje ainda, ou a paixão dos crentes ou o desdém dos ateus, mas dificilmente sobressaltam a indiferença dos agnósticos. O livro Em Teu Ventre não toma partido e como que naturaliza, e subjuga à ficção, as aparições da «Senhora mais brilhante que o Sol». Digamos que, anulando ou secundarizando expressões metafísicas ou religiosas, este livro toma o partido do imanente quotidiano, campestre e pobre, o partido da água «fresca e salitrosa» e do «pão com pingo». Toma «o partido das coisas», como diria Francis Ponge. Na novela de Peixoto, a transcendência é como que um resíduo do lirismo, que, na obra do autor, sempre ressumbra de personagens, paisagens e acontecimentos. A inesperada ousadia do escritor, ao pegar em tão intratável assunto, seria já merecedora de elogio. Ou de espanto. Porém, o que mais surpreende é que o resultado seja (quase) airosamente conseguido, fazendo de Em Teu Ventre um dos melhores livros de Peixoto (se não for mesmo o melhor). (...)"
Mário Santos, "Mais brilhante do que o sol", in jornal Público online, 27/ 01/ 2016, crítica da novela Em Teu Ventre, de José Luís Peixoto.