Jabuticabeira.
Imagem daqui.
"AS INFLUÊNCIAS EM POESIA
Desejariam alguns, partidários sem o saber de uma poesia irremediavelmente morta, que o poeta não tivesse influências. Consideram eles a influência incompatível com uma voz própria e portanto condenável. Ora quer-nos parecer a nós, homens antes do mais do nosso tempo, que só o poeta dotado de musa própria pode consentir influências e tantas mais consentirá quanto mais poeta for.
A influência é um local de confronto. Para experimentar as suas forças um poeta enxerta na sua obra um segmento alheio, oriundo de qualquer domínio cultural maxime da poesia nacional ou estrangeira. E a árvore, que confinada aos seus próprios limites estaria condenada à morte ou à menoridade, ensaia novos ramos, percorridos pela mesma seiva. A influência é também um meio de convívio. A poesia é a melhor sala de que o poeta dispõe para conviver com os seus contemporâneos e a única sala onde pode receber e ouvir a voz dos antigos.
A influência é um acto de homenagem porque só se é influenciado por um poeta que se admira. As obras singulares intercomunicam entre si e a arte é um grande empreendimento colectivo, como por exemplo a construção civil. (...)
Entre as várias figuras de retórica, sempre passíveis de virem a ser isoladas em qualquer texto criador, a alusão é o veículo ideal da influência. David Mourão-Ferreira, nas suas inolvidáveis aulas na Faculdade de Letras, definia-a como «a referência num determinado texto a algo que só fora desse texto adquire completo significado». Pode, como se sabe, ser directa ou indirecta e reveste três tipos fundamentais: pessoal, textual e cultural. A primeira, em que directamente se nomeia ou se dão os elementos suficientes para a identificação de alguém, não interessa muito no nosso caso. Já os outros dois tipos representam o veículo ideal da influência. Numa altura em que a grande poesia consente no seu seio, como condição de existência e de sobrevivência, referências a factos de ordem histórica, literária, científica, artística, ou citações de frases ou afirmações alheias de uma maneira tão natural e frequente que não se sente obrigada a indicar a origem, o processo de levantamento das influências pelo leitor ou pelo crítico, além de exigir um grande amor pela obra lida ou criticada, requer uma grande cultura. O poeta, além de o ser por vocação, é também uma grande máquina de viver e de ler e de se cultivar e ao mais pequeno segmento de escrita imola os seus dias e os livros que leu, os filmes que viu, as peças a que assistiu. Exigido por uma coerência íntima, dado de forma tanto quanto possível discreta e natural, tudo isso constitui o tecido, consistente e cerzido, que é o discurso literário nos seus primeiros estratos. (...)"
Ruy Belo, Na Senda da Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 284-285.
Sem comentários:
Enviar um comentário