Quando os Judeus foram expulsos de Espanha
e a seguir de Portugal emigraram para onde a
fortuna ou o acaso os arrastou — para a Turquia,
Servia, Bósnia, Bulgária, Palestina, Marrocos,
como para os paises do Norte, França, Bélgica,
Inglaterra, Hollanda, etc. A principio conservaram pura a lingua que fallavam — o espanhol
ou o português — aquelle, porém, mais do que
este; a breve trecho, como não podia deixar de
ser, essa lingua começou a alterar-se, a decomporse,
admittindo numerosas formas extranhas, deixando-se
influenciar na sua phonetica, como na morphologia e na syntaxe pelas outras linguagens
com que se encontrava em contacto.
Formou-se assim uma espécie de dialecto em
que os elementos predominantes sam o hebreu e o espanhol, a que se deu o nome de
Idioma
espanhol, ou
Lingua castelhana, ou
Lingua vulgar, ou
Lingua Sephardi, ou ainda
Judesmo ou
Judeo-Espanhol,
ou, enfim, como é mais conhecido,
simplesmente — Ladino (...).
Uma das suas características é no que respeita
á phonetica, por ex., a substituição do
h por
f como em
fijo por
hijo,
fablar por
hablar,
fambre por
hambre,
fermosa por
hermosa, etc. Deu-se o mesmo phenomeno com o
g. Diz-se
em ladino
agora por
ahora. Nenhum auctor
fez notar que estas trocas se explicam pela
influencia do português. Quanto a nós não
pode haver outra explicação do facto. Os
judeos portugueses eram em menor numero, mas tinham a sua representação entre os emigrados
bem accentuada por figuras distinctas nas letras ou na vida e regime da Synagoga.
Estabelecer-se-hia assim inconscientemente uma
lucta em que tinham de ficar vencidos os mais
fracos. Entretanto um periodo de instabilidade
de formas, de duplo emprego de termos, deveria
existir.
É também frequente no ladino a mudança do
n em
m como
muestros,
muevo,
mos, por
nuestros,
nuevo,
nos. Ha a metathese do
d antes do
r em
vedrad (verdad),
pedrer (perder), vedre
(verde), etc. Muitos termos são exclusivos deste
dialecto, como
meldar, frequentemente empregado,
em vez de aprender, ler,
meldador, isto é,
leitor, prégador ;
melda o mesmo que escola;
darsar, (...) investigar, instruir, e que
se emprega na significação de prégar, fazer um
sermão, etc.
Os caracteres de que se serviram os Judeos na
impressão das obras que saíram á luz em ladino
são hebraicos, raras vezes latinos. Mas como os
signaes dos dous alphabetos se não correspondem
exactamente d'ahi as anomalias que se notam na
transcripção e que nem sempre sam fáceis de
descobrir. (...)
Joaquim Mendes dos Remédios, Os Judeus Portugueses em Amsterdam, Coimbra, F. França Amado Editor, 1911, pp. 149-151.