Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 30 de abril de 2018

«À LA VIE, À LA MORT»



Imagem daqui.




À la vie, à la mort

Nesta terra negra,
onde as ondas do mar escasseiam,
sem lentidão nem pressa,
um corpo se arremessa
de entre os muitos que passeiam.

Num mundo muito confuso,
controlado pela raiva,
a esta pequena criatura,
que se enrolou nesta mistura,
de Deus lhe faltou a dádiva.

Mas não importa o motivo,
porque, pelo que me foi dito,
não importa o ódio desta criança,
nada há mais forte que a esperança,
e é nisto que eu acredito.

Simão Santos, Aluno do 12º CT3, desta Escola.



quinta-feira, 26 de abril de 2018

"REBUS" III


André Breton (1896-1966), Autorretrato (1929).




Le 10 avril 1934, en pleine «occultation» de Vénus par la lune (ce phénomène ne devait se produire qu'une fois dans l'année), je déjeunais dans un petir restaurant situé assez désagréablement près de l'entrée d'un cimetière. Il faut, pour s'y rendre, passer sans enthousiasme devant plusieurs étalages de fleurs. Ce jour-là le spectacle, au mur, d'une horloge vide de son cadran ne me paraissait pas non plus de très bon goût. Mais j'observais, n'ayant rien de mieux à faire, la vie charmante de ce lieu. Le soir le patron, «qui fait la cuisine», regagne son domicile à motocyclette. Des ouvriers semblent faire honneur à la nourriture. Le plongeur, vraiment très beau, d'aspect très intelligent, quitte quelquefois l'office pour discuter, le coude au comptoir, de choses apparemment sérieuses avec les clients. La servante est assez jolie: poétique plutôt. Le 10 avril au matin elle portait, sur un col blanc à pois espacés rouges fort en harmonie avec sa robe noire, une très fine chaîne retenant trois gouttes claires comme de pierre de lune, gouttes rondes sur lesquelles se détachait à la base un croissant de même substance, pareillement serti. J'appréciai, une fois de plus, infiniment, la coïncidence de ce bijou et de cette éclipse. Comme je cherchais à situer cette jeune femme, en la circonstance si bien inspirée, la voix du plongeur, soudain: «Ici, l'Ondine!» et la réponse exquise, enfantine, à peine soupirée, parfaite: «Ah! oui, on le fait ici, l'On dîne!» Est-il plus touchante scène? (...)

André Breton, L'Amour fou, Paris, Gallimard, 2013, pp. 20-21.




quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 DE ABRIL


A poesia está na rua, cartaz de Maria Helena Vieira da Silva (1974).



ABRIL DE ABRIL

Era um Abril de amigo    Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo    Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça    Abril de massas
era um Abril na rua    Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava    Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril    Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se    Abril palavra
esse Abril em que    Abril se libertava.

Era um Abril de clava    Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.

Manuel Alegre, Poesia, vol. I (1960-1990), Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2009, p. 364.



terça-feira, 24 de abril de 2018

2º CONCURSO DE HAICAI KENZO TAKEMORI


Imagem daqui.


Pode participar até ao dia 31 de maio de 2018.

Aceda aqui ao regulamento.



9ª FESTA DOS CONTOS


Aceda aqui a todas as informações.



segunda-feira, 23 de abril de 2018

JANELAS


André Vicente Gonçalves.
Imagem daqui.




ouverture la vie en close

em latim
«porta» se diz «janua»
e «janela» se diz «fenestra»
a palavra «fenestra»
não veio para o português
mas veio o diminutivo de «janua»,
«januela», «portinha»,
que deu a nossa «janela»
«fenestra» veio
mas não como esse ponto da casa
que olha o mundo lá fora,
de «fenestra», veio «fresta»,
o que é coisa bem diversa
já em inglês
«janela» se diz «window»
porque por ela entra
o vento («wind») frio do norte
a menos que a fechemos
como quem abre
o grande dicionário etimológico
dos espaços interiores
e ver-te
verde vênus
doendo
no beiracéu
é ver-nos
em puro sonho
onde
ver-te, vida,
é alto ver
através de um véu

Paulo Leminski, Toda Poesia, São Paulo, Companhia das Letras, p. 153.



quinta-feira, 19 de abril de 2018

DO NOME XV


Gustav Klimt (1862-1918), detalhe de As Três Idades da Mulher (1905).
Imagem daqui.



Os Nomes

Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava, branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba. Só ela sabia como se arranjava para o conseguir, meu baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito. Assim te queria. Eu, às vezes.

Eugénio de Andrade, Memória Doutro Rio, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 37.



NO LIMITE DA DOR - A TORTURA NAS PRISÕES DA PIDE





quarta-feira, 18 de abril de 2018

CONHECER ABRIL






O Museu do Aljube - Resistência e Liberdade, para comemorar os 44 anos do 25 de Abril e festejar o 3º aniversário do Museu, organizou um programa especial e variado que inclui conferências, visitas guiadas e teatro.

Imagem e todas as informações disponíveis no sítio EGEAC - Cultura em Lisboa.



terça-feira, 17 de abril de 2018

O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS - O INCIPIT

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, página datiloscrita do incipit.
Disponível aqui.



Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as águas do rio correm turvas de barro, há cheia nas lezírias. Um barco escuro sobe o fluxo soturno, é o Highland Brigade que vem atracar ao cais de Alcântara. O vapor é inglês, da Mala Real, usam-no para atravessar o Atlântico, entre Londres e Buenos Aires, como uma lançadeira nos caminhos do mar, para lá, para cá, escalando sempre os mesmos portos, La Plata, Montevideo, Santos, Rio de Janeiro, Pernambuco, Las Palmas, por esta ou inversa ordem, e, se não naufragar na viagem, ainda tocará em Vigo e Boulogne-sur-Mer, enfim entrará o Tamisa como agora vai entrando o Tejo, qual dos rios o maior, qual a aldeia. Não é grande embarcação, desloca catorze mil toneladas, mas aguenta bem o mar, como outra vez se provou nesta travessia, em que, apesar do mau tempo constante, só os aprendizes de viajante oceânico enjoaram, ou os que, mais veteranos, padecem de incurável delicadeza do estômago, e, por ser tão caseiro e confortável nos arranjos interiores, foi-lhe dado, carinhosamente, como ao Highland Monarch, seu irmão gémeo, o íntimo apelativo de vapor de família. Ambos são providos de tombadilhos espaçosos para sport e banhos de sol, pode-se jogar, por exemplo, o cricket, que, sendo jogo de campo, também é exercitável sobre as ondas do mar, deste modo se demonstrando que ao império britânico nada é impossível, assim seja essa a vontade de quem lá manda. Em dias de amena meteorologia, o Highland Brigade é jardim de crianças e paraíso de velhos, porém não hoje, que está chovendo e não iremos ter outra tarde. Por trás dos vidros embaciados de sal, os meninos espreitam a cidade cinzenta, urbe rasa sobre colinas, como se só de casas térreas construída, por acaso além um zimbório alto, uma empena mais esforçada, um vulto que parece ruína de castelo, salvo se tudo isto é ilusão, quimera, miragem criada pela movediça cortina das águas que descem do céu fechado. As crianças estrangeiras, a quem mais largamente dotou (...)

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa, Caminho, 1998, pp. 11-12.



segunda-feira, 16 de abril de 2018

EUGÉNIO DE ANDRADE - A GÉNESE DO POEMA


Eugénio de Andrade, por Bottelho.
Imagem daqui.




"Pego no papel e começo a escrever, abandonando-me perfeitamente ao ritmo das palavras, às próprias palavras. E quando paro volto a reler tudo o que escrevi, e nessa altura há um verso que salta. Pego noutra folha de papel e começo, abro com esse verso que apareceu. Então aí as palavras começam a chamar-se umas às outras, o poema começa realmente a organizar-se e é uma luta, quase corpo a corpo, que dura às vezes horas, a tarde inteira. E se tiver sorte chego ao fim da tarde com um poema, ou assim me parece. Levo isso à noite para a cabeceira e na manhã seguinte, em regra, também de uma maneira geral, inutilizo tudo o que escrevi. Mas qualquer coisa fica na memória porque depois recomeço a escrever, com algumas alterações já, e vou assim perseguindo o poema, às vezes durante uma semana. E persigo até o poema de edição para edição."

Eugénio de Andrade

Textos e Pretextos - Eugénio de Andrade, Centro de Estudos Comparatistas e Fundação Eugénio de Andrade, número cinco, inverno de 2004, p. 118.




quinta-feira, 12 de abril de 2018

CONGRESSO INTERNACIONAL "JOSÉ SARAMAGO: 20 ANOS COM O PRÉMIO NOBEL"


Aceda aqui a todas as informações.



A HESPÉRIA


Edward Burne-Jones (1833-1898), Garden of the Hesperides (1869-1873).
Imagem daqui.




Homero, no rasto do Amenti dos Egípcios e do Jardim das Hespérides de Hesíodo, sublinha a felicidade dos habitantes da Hespéria, localizando nela o Campo Elíseo ou morada dos Bem-Aventurados, o Paraíso de Saturno, símbolo de uma Idade de Ouro perdida, a última das terras (finisterrae) antes das Ilhas Afortunadas.

Tais argumentos (a abundância de metais constituía um outro) explicam por que desde um passado remotíssimo, a partir do Mediterrâneo e oriente médio, afluíram à Península Ibérica sucessivas ondas de vida, povos heterogéneos e das mais variadas raças e índoles, almas de eleição atraídas pelos lugares sagrados e centros mistéricos, herdeiros da civilização semi-divina de Mu, a Atlântida imortalizada por Platão no Timeu e no Crítias.

São incontáveis os testemunhos aludindo a esse território ocidental, sejam os legados pelos sobreviventes do dilúvio em que terá perecido, sejam aqueles atestando a sacralidade que as gerações vindouras conferiram aos vestígios remanescentes e o desvelo que, pelos séculos fora, puseram na sua preservação. Plutarco, na biografia de Sertório, não deixa mesmo de relacionar com tal tradição a vinda para a Hispânia daquele romano, cuja intenção era terminar os seus dias sem guerras nem tiranias, sob a graça vespertina de Vénus, a Grande Deusa guardiã da Ilha dos Amores situada neste extremo do continente.(...)

O Eterno Feminino no Aro de Mafra, Roteiro Monográfico, coordenação de Manuel Gandra, Mafra, Câmara Municipal de Mafra, 1994, p. 5.



quarta-feira, 11 de abril de 2018

POESIA DE LUÍSA CORDEIRO (28)

"Eu queria..."

Queria ser uma pomba
a comer na tua mão,
poente no teu corpo,
arrepio na tua pele,
o gosto na tua boca,
a luz no teu coração,
o farol na enseada
que ilumina a tua noite
e as pegadas que deixas
na areia fina e doce
molhada de beijos meus,
balada do meu amor
em tons da minha paixão.

Luísa Cordeiro 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

A LUSITÂNIA



Lambert de Saint-Omer, Liber Floridus (1120).
Imagem daqui.




A Lusitânia

A Lusitânia, região que fica a setentrião do Tejo, é a maior das nações Ibéricas, e aquela com que os Romanos guerrearam mais tempo. Esta terra é limitada a sul pelo Tejo, a oeste e norte pelo Oceano; a nascente pelos Carpetanos, Vetónios, Vaceios e Calaicos, raças bem conhecidas. As restantes não vale a pena nomeá-las, devido à sua pequenez e obscuridade.

Ora a terra de que estamos a falar é próspera; percorrem-na rios grandes e pequenos, quase todos vindos do nascente, paralelamente ao Tejo. A maioria é navegável para o interior e muitos contêm poalha de ouro. Os rios mais conhecidos, a seguir ao Tejo, são o Mondego, navegável a pequena distância, bem como o Vouga. Depois destes, o Douro, que vem de longe, corre ao longo de Numância e de muitas outras povoações dos Celtiberos e dos Vaceios; é navegável para grandes barcos, até cerca de oitocentos estádios. Depois, há ainda outros rios. A seguir a estes, o Eetes, a que alguns chamam Lima, e outros Belião. Esse corre da região dos Celtiberos e dos Vaceios. A seguir, vem o Báinis (a que chamam Minho), que é em muito o maior dos rios da Lusitânia, e também navegável até oitocentos estádios.

(Geografia, III, 3, 3-4)

Estrabão, "A Lusitânia", in Hélade - Antologia da Cultura Grega, organização e tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, p. 498.