Alberto Manguel, na sua biblioteca
"A relação primordial entre escritor e leitor põe-nos perante um paradoxo extraordinário: ao criar o papel do leitor, o escritor decreta simultaneamente a sua própria morte, visto que, para um texto se completar, o escritor tem de se retirar, deixar de existir. Enquanto o escritor está presente, o texto permanece incompleto. Só quando o escritor abandona o texto é que este ganha existência. Nesse momento, a existência do texto é silenciosa, um silêncio que perdura até o leitor ler o texto. É apenas quando o olhar treinado entra em contacto com as marcas na placa que o texto ganha vida. Toda a escrita está dependente da generosidade do leitor.
Esta difícil relação entre escritor e leitor tem um início; estabeleceu-se para sempre numa tarde misteriosa na Mesopotâmia. É uma relação frutuosa, mas anacrónica entre um criador primevo, que dá à luz no momento da sua morte, e um criador post-mortem ou, antes, várias gerações de criadores post-mortem que facultam a fala a essa criação e sem os quais toda a escrita é letra morta. Desde o início, a leitura é a apoteose da escrita."
Alberto Manguel, Uma História da Leitura, Lisboa, Editorial Presença, 2010, p. 187.
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