No centenário do nascimento de Jorge Amado que se assinala este ano, fica um excerto de Capitães da Areia, a obra mais conhecida do autor e várias vezes adaptada para cinema, televisão e teatro.
Hoje estreia nos cinemas o filme "Capitães da Areia", da realizadora brasileira Cecília Amado, que adaptou para cinema o romance do avô, o escritor Jorge Amado.
NOITE DOS CAPITÃES DA AREIA
A grande noite de paz da Bahia veio do cais, envolveu os saveiros, o forte, o quebra-mar, se estendeu sobre as ladeiras e as torres da igreja. Os sinos já não tocam as ave-marias que as seis horas há muito que passaram. E o céu está cheio de estrelas, se bem a lua não tenha surgido nesta noite clara. O trapiche se destaca na brancura do areal, que conserva as marcas dos passos dos Capitães da Areia, que já recolheram . Ao longe, a fraca luz da lanterna da Porta do Mar, botequim de marítimos, parece agonizar. Passa um vento frio que levanta a areia e torna difíceis os passos do negro João Grande, que se recolhe. Vai curvado pelo vento como a vela de um barco. É alto, o mais alto do bando, e o mais forte também, negro de carapinha baixa e músculos retesados, embora tenha apenas treze anos, dos quais quatro passados na mais absoluta liberdade, correndo as ruas da Bahia com os capitães da Areia. Desde aquela tarde em que seu pai, um carroceiro gigantesco, foi pegado por um caminhão quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua, João Grande não voltou à pequena casa do morro. Na sua frente estava a cidade misteriosa, e ele partiu para conquistá-la. A cidade da Bahia, negra e religiosa, é quase tão misteriosa como o verde mar. Por isso João Grande não voltou mais. Engajou com 9 anos nos Capitães da Areia, quando o Caboclo ainda era o chefe e o grupo pouco conhecido, pois o Caboclo não gostava de arriscar. Cedo João Grande se fez um dos chefes e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para planejar os furtos. Não que fosse um bom organizador de assaltos, uma inteligência viva. Ao contrário, doía-lhe a cabeça se tinha que pensar. Ficava com os olhos ardendo, como ficava também quando via alguém fazendo maldades com os menores.
Jorge Amado, Capitães da Areia (1937)
Requisite o livro na BE. Procure-o na Classe 8 (Língua. Linguística. Literatura).
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