Ato III, cena 2
"Os nossos projectos são escravos da memória: violentos quando nascem, mas de pouca valia. Aquilo que, tal como um fruto verde, agora está preso à árvore, cai sozinho quando está maduro. É absolutamente inevitável esquecermo-nos de pagar as dívidas que temos para com nós próprios. Aquilo que nos propomos no calor da paixão perde a razão de ser quando a paixão acalma. A própria violência da dor ou do prazer destrói juntamente com eles os seus actos. Onde mais viva é a alegria, mais cruel é a dor; ao mais leve acidente, a alegria entristece e a tristeza alegra-se. Nada é eterno neste mundo, e, assim, não é de estranhar que até o nosso amor mude com a nossa fortuna, porque está ainda por saber se é o amor que guia a fortuna ou a fortuna o amor. Cai o poderoso, e vereis fugirem dele os amigos; enriquece o pobre, e os seus inimigos tornam-se em amigos. E o amor é de tal maneira escravo da fortuna, que, ao que não precisa, nunca lhe faltará um amigo, enquanto outro, que na desgraça põe à prova um falso amigo, transforma-o imediatamente em inimigo. E agora, para terminar por onde comecei, as nossas vontades e os nossos destinos seguem por caminhos tão opostos que deitam sempre por terra os nossos planos. Somos donos dos nossos pensamentos; todavia, a sua realização não depende de nós".
Fala do Ator Rei, Ato III, cena 2
William Shakespeare, Hamlet, publicação sob a direção de Fernando de Mello Moser, tradução de Ricardo Alberty e Sebastião Maldonado Centeno, Verbo, Lisboa e São Paulo, 1975.
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