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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 2 de julho de 2013

CULTURA SEFARDITA


Bíblia de Abravanel (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra)
Imagem daqui.
 
 

Ao contrário do que ocorre com os demais judeus peninsulares, vivessem eles sob o domínio muçulmano de Córdova ou dos reis taifas, ou, mais tarde, sob o domínio dos reis cristãos de Castela ou de Aragão, sabemos muito pouco sobre a cultura e a obra literária e artística dos judeus que viveram em território nacional. (…)
Sem conseguir chegar a qualquer conclusão, para além da quase ausência de comprovativo documental dessa produção, não posso deixar de referir o pouco que se conhece, apesar da existência de muitos documentos cuja proveniência ou autoria é desconhecida, e que muitas vezes são atribuídos pelos historiadores aos judeus “espanhóis”, esquecendo que “sefardita” abrangia toda a Península. Agrava ainda a situação o facto de a onomástica peninsular ser muito semelhante. Portugal e Castela tiveram, desde o século XIV, famílias com apelido Alguadix, Caro, Usque, Sacuto, Cohen, para já não mencionar aquelas cujo nome de família desconhecemos porque escondido sob a capa de topónimos como Toledano, Sevilhano, Navarro, de Leão, etc. Desconhecemos os poetas portugueses de credo moisaico, excepto (…) Vidal, judeu de Elvas, que se imortalizou por duas cantigas de amor à maneira provençal, em louvor da dama formosa daquele concelho, Samuel de Leiria, cujo nome é mencionado num documento alcobacense como trovador, ou Juda Negro, trovador da rainha D. Filipa de Lencastre, talvez o mesmo Juda Yahia, conhecido em Castela, nos finais do século XIV, inícios do século XV. (…)
Para além da família Ibn Yahia/ Negro, cuja memória chegou até nós, outros nomes são-nos conhecidos. Um deles identificava o médico do conde D. Pedro de Meneses, capitão-mor de Ceuta, José Zarco (…). Outra família importante na corte de Avis foi a dos Abravanéis. Originários de Sevilha, imigraram para Portugal, nos finais do século XIV, quando das perseguições às comunidades judaicas da Andaluzia, em 1391. (…)
É provável que, numa corte culta como era a de Avis, os judeus que a frequentavam exteriorizassem interesses que os aproximassem dos cortesãos cristãos. Verificamos pelas anotações do rei D. Duarte que o rabi-mor Guedelha Negro manifestava conhecimentos de astronomia e interesse por cálculos astronómicos a partir da posição da estrela polar. Outros possuíam bibliotecas, como aquela que D. João II confiscou a Isaac Abravanel e onde provavelmente existiriam (…) obras de filósofos gregos e de autores latinos, ou obras de cristãos contemporâneos.
Médicos, dominando na quase totalidade o exercício da medicina no reino, os judeus portugueses aliavam a arte de curar doenças com a astrologia, o que seria reconhecido em tom divertido por Gil Vicente na Farsa dos Físicos. Estudavam o Canon de Avicena e Averróis junto a outro mestre; outros frequentavam a Universidade de Coimbra, como Abrãao e Guedelha Negro; outros ainda pela sua qualidade foram físicos e cirurgiões-mores. Foram os primeiros oftalmologistas conhecidos em Portugal, como mestre Nacim. (…)
Os judeus portugueses cultivaram a arte da caligrafia e da iluminura, assim como abriram oficinas tipográficas no reino.(…) Desconhecemos o valor da biblioteca da comunidade judaica de Lisboa, quando foi confiscada para a coroa com a expulsão e baptismo forçado dos judeus portugueses. Apenas podemos supor o quanto seria valiosa, se pensarmos que a biblioteca de Toledo tinha sido trazida para Portugal. Mestre António, converso, físico do rei D. Manuel, censurá-lo-ia pela destruição de tão valiosa biblioteca, quando o soberano resolveu doá-la ou vendê-la ao desbarato, sem ter a noção do valor dos códices que ela continha.
Maria José Ferro Tavares, A Herança Judaica em Portugal, CTT Correios de Portugal, 2004, pp. 132-147.




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