“(…) Deveria
demonstrar que as metáforas não são simples idealizações que sobem como
foguetes para iluminar o céu exibindo a sua insignificância, mas, sim, pelo
contrário, que as metáforas se atraem e se coordenam mais do que as sensações,
a tal ponto que um espírito poético é pura e simplesmente uma sintaxe das
metáforas. Cada poeta deveria então dar lugar a um diagrama que indicaria o
sentido e a simetria das suas coordenadas metafóricas, exactamente como o
diagrama de uma flor fixa o sentido e as simetrias da sua acção floral. Não existe
nenhuma flor real sem essa conformidade geométrica. Assim como
não há floração poética sem uma certa síntese de imagens poéticas. Não se
deverá, no entanto, interpretar esta tese como um desejo de limitar a liberdade
poética, de impor uma lógica, ou uma realidade, o que vem dar na mesma, à
criação poética. Só no fim, objectivamente, depois dela desabrochada, é que se
pode descobrir o realismo e a lógica íntima de uma obra poética. Por vezes,
certas imagens verdadeiramente diversas, que poderiam considerar-se hostis,
heteróclitas, dissolventes, acabam por fundir-se numa imagem adorável. Os mosaicos
mais estranhos do surrealismo passam a ter subitamente gestos contínuos; uma
cintilação revela uma luz profunda; um olhar que brilha de ironia mostra de
repente um raio de ternura: a água de uma lágrima sobre o fogo de uma confissão
de amor. É pois esta a função decisiva da imaginação: de um monstro faz um
recém-nascido!”
Gaston Bachelard,
A Psicanálise do Fogo, Lisboa,
Litoral Edições, 1989, pp.117-118.
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