DO CICLO DAS INTEMPÉRIES
1
Sabes, leitor, que
estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de
teres chegado agora
Para te explicar como
vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na
terra que pisas – podes pensar
Que te digo alguma coisa
não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
Que a magnólia te cresce
como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia – e essa é
a verdade – cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra
que ela lançou no poema
Pode bem significar que
no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já
um pouco de ti. E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer,
nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.
A magnólia estende contra
a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da
magnólia como se pegasse na tua mão
Daniel Faria (Paredes, 1971 – Porto, 1999)
(Dos Líquidos, 2000)
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