Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 29 de setembro de 2015

UM JARDIM OSTENSIVO E RESERVADO


Imagem daqui.



CONSELHO

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

(publicado em novembro de 1935)


Fernando Pessoa, Obra Essencial de Fernando Pessoa - Poesia Ortónima, Prefácio de Richard Zenith, Coordenação da Edição de Ivo Castro, Lisboa, Expresso/ Alêtheia Editores/ INCM, 2015, p. 123.



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

HAMLET, de William Shakespeare


Imagem e informações no sítio do Teatro da Cornucópia.


Co-Produção Teatro da Cornucópia e Companhia de Teatro de Almada
Tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen
Até 18 de outubro de 2015



quarta-feira, 23 de setembro de 2015

DO NOME II

Religiões da Lusitânia - Loquuntur Saxa - MNA. Imagem do deus Endovélico (capa).



"(...) A onomástica pessoal assume, durante a Romanidade, várias formas, consoante o estatuto político-social do indivíduo, o seu sexo e ainda a época concreta em que viveu, já que os sistemas vigentes nem sempre foram exactamente os mesmos. Em qualquer dos casos, porém, um nome pessoal exarado numa epígrafe, mormente funerária, não cumpria apenas meros objectivos de pragmática identificação, antes destinava-se a ser lido alto por quem passava, formando assim uma sequência de sons especificamente - íamos a escrever «magicamente» - evocatórias da pessoa ausente. O nome, na Antiguidade, assume um cariz verdadeiramente ontológico. Ele exprime e representa, de alguma maneira, a própria essência, o próprio carácter do ser nomeado. O nome tem, em si mesmo, um indiscutível poder. Chamar, clamar por alguém proferindo o seu nome - lendo-o alto, oralizando-o - é revivificar esse alguém, é torná-lo momentaneamente presente e acessível (no antigo Egipto tal prática era utilizada com grande empenho).

De igual modo com os deuses. Invocá-los pelo seu próprio nome, pelo seu nome «verdadeiro», é possuí-los, é ter poder para poder controlar a sua vontade. Trata-se da clássica equação de nomen/ numen: nomen, o nome, a «essência" de um ente divino traduzido por certos sons; numen, a «vontade divina», o «poder divino».

Saber escrever o verdadeiro nome do deus é importante. Mas mais ainda é sabê-lo pronunciar correctamente: Endovellicus? Indovellicus? Endovollicus? Enobolicus?... Qual o verdadeiro nome? Recorde-se, a este propósito, o tão esclarecedor passo de Jâmblico, autor que viveu na transição do século III para o século IV d. C.: «Se os nomes tivessem sido atribuídos por convenção, não importaria trocar uns pelos outros; mas, se estão estreitamente unidos com a natureza dos seres, os que se assemelham a essa natureza são certamente também os mais agradáveis aos deuses». E, mais à frente: «Se é (efectivamente) possível traduzir os nomes, estes já não conservam porém (depois de traduzidos) o mesmo poder». Não é o significado semântico que importa, mas sim a sonoridade específica de cada nome. (...)"

José Cardim Ribeiro, "Sons desenhados - letras sonantes: escrita e oralidade na Época Romana", in AA.VV., A Escrita das Escritas, Coordenação de Luís Manuel de Araújo, obra editada por ocasião da exposição A Escrita: Traços e Espaços, Lisboa, Museu das Comunicações, Fundação Portuguesa das Comunicações e ESTAR Editores, 2000, pp. 92-93.




terça-feira, 22 de setembro de 2015

O POETA EXPLICA-SE

Ruy Belo (São João da Ribeira, Rio Maior, 27-02-1933/ Queluz, 08-08-1978).
Imagem daqui.



"(...) A poesia, no estado actual de educação do nosso povo, não deve ser necessariamente popular. Não vamos esperar, pelo menos num meio como o nosso, que venha a competir com o futebol, a televisão, o cinema. Mas, como também já uma vez declarei, tenho esperanças numa educação diferente, que, por exemplo, vá permitindo, a pouco e pouco às crianças o acesso a Fernando Pessoa.

A errada concepção de que há uma poesia tradicional, que se praticou até ao Orpheu, e uma poesia moderna, também não tem contribuído para a compreensão destes problemas. A poesia, independentemente da querela dos antigos e dos modernos, sempre teve de ser moderna, de mudar, de criar a sua própria tradição. Moderno, sem mais, foi Sá de Miranda e, sem a sua acção poética e pedagógica, teria sido talvez impossível ou pelo menos singularmente mais difícil, grande parte de Camões.

No ensino da poesia, deve-se partir da poesia dos nossos dias para a poesia mais antiga. Se a poesia é fundamentalmente, como parece ser, uma forma particular de desvio em relação à linguagem quotidiana, mais fácil será ajuizar desse desvio relativamente à maneira actual de falar. Para só dar um exemplo, Carlos Drummond de Andrade pode muito bem servir de introdução a Camões.

Espero que algum dia seja possível ensinar a melhor poesia segundo a poesia que é. Ensinam-se aparentemente Os Lusíadas mas, em vez de se valorizar o que neles há de poético, põe-se em relevo o que é acidental, o que é útil,o que serve interesses as mais das vezes inconfessáveis e extraem-se lições que não decorrem imediatamente da sua arte.

Levantam-me às vezes também o problema da comunicação. Tenho de ser sincero e creio que posso sê-lo, uma vez que já disse o suficiente para não escandalizar ninguém de boa-fé. A questão da comunicação parece-me secundária. Ou os problemas do poeta interessam o público, que neles se revê, ou o poeta canta os problemas do público. Como também já uma vez disse, de Píndaro a Gottfried Benn, sempre os poetas mais ou menos praticaram ou defenderam o mesmo princípio de que, se alguém recorresse à poesia para se fazer compreender, ninguém escreveria versos.(...)"

Ruy Belo, "Um poeta explica-se", in Na Senda da Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 288-289.


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

DA CONCISÃO LVI

Sémhur, A extensão do Império Romano em alguns anos.
Imagem daqui.


Verba volant, scripta manent.
"As palavras voam, os escritos ficam."

Sentença latina.


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

DA CONCISÃO LV

Imagem daqui.


"926. Observa a aprendizagem - e o resultado da aprendizagem."


Ludwig Wittgenstein, Últimos Escritos sobre a Filosofia da Psicologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 231.


terça-feira, 15 de setembro de 2015

QUASE DE REGRESSO ÀS AULAS

Ilustração via Pinzellades al món

DO PROFESSOR PARA O ALUNO

Robert Doisneau, Hier c'était la rentrée. Daqui.



"Os eixos do tempo cruzam-se e voltam a cruzar-se. O que significa transmitir (tradendere) e de que modo - de quem para quem - é legítima tal transmissão? As relações entre traditio ("o que foi transmitido") e aquilo a que os Gregos chamavam paradidomena ("o que é transmitido neste momento") nunca são transparentes. Talvez não seja por acaso que, semanticamente, "traição" e "transmissão" não estejam assim tão dissociadas de "tradição". Em contrapartida, estas vibrações de sentido e de intenção encontram-se fortemente presentes no conceito, igualmente complexo, de "tradução" (translatio). Será o acto de ensinar, num qualquer sentido fundamental, um exercício que tem lugar nas entrelinhas, como sustentou Walter Benjamin quando atribuiu virtudes eminentes de fidelidade e de transferência ao interlinear? (...)

O verdadeiro ensino tem sido definido como imitatio de um acto de revelação transcendente ou, mais precisamente, divino - esse desvelar e interiorização de verdades que Heidegger atribui ao Ser (aletheia). O ensino secular, elementar ou avançado, mimetiza um modelo sagrado, canónico, um original que era, através de leituras filosóficas e mitológicas, comunicado oralmente.O professor não é mais - nem menos - do que um ouvinte e mensageiro cuja inspirada, e posteriormente instruída, receptividade lhe permitiu aprender um Logos revelado, essa "Palavra primordial", o que constitui, na essência, o modelo de validação do Mestre da Tora, do explicador do Corão ou do comentador do Novo Testamento. Por analogia - e são inúmeras as perplexidades que emergem da utilização do análogo -, este paradigma estende-se à comunicação, à transmissão e à codificação do conhecimento secular, de sapientia ou Wissenschaft. Nos Mestres da exegese bíblica encontramos já ideais e práticas que serão adaptados à esfera secular. Assim, Santo Agostinho, Akiba e Tomás de Aquino são incontornáveis em qualquer história da pedagogia.

Em contrapartida, tem-se defendido que a única forma honesta, verificável, de ensino, de autoridade didáctica, é por meio do exemplo. O professor demonstra ao aluno o seu próprio domínio da matéria, a sua capacidade de realizar a experiência química (...), de resolver a equação no quadro, de desenhar com exactidão o modelo de gesso ou de carne e osso no atelier. O ensinamento por meio do exemplo é acção, e pode ser silencioso. Talvez devesse sê-lo. A mão do professor guia a do aluno no teclado do piano. O ensinamento válido é ostensível. Vê-se. Esta "ostentação", que tanto intrigou Wittgenstein, está profundamente implantada na etimologia: o dicere do latim, que começou por significar "mostrar" e só posteriormente "mostrar dizendo"; os termos token e techen do inglês médio, com as suas conotações implícitas de "aquilo que mostra". (Será o professor, em última análise, um "actor"?) Em alemão, deuten, que significa "indicar", é inseparável de bedeuten, "significar". Esta contiguidade leva Wittgenstein a negar a possibilidade de qualquer instrução textual honesta na filosofia. No que respeita à moralidade, só a conduta real do Mestre constitui demonstração válida. Sócrates e os santos ensinam por meio da sua simples existência. (...)"

George Steiner, As Lições dos Mestres, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 12-13.



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

DO NOME I

Da contracapa da obra: Ludwig Wittgenstein, Últimos Escritos sobre a Filosofia da Psicologia.


"70. Vemos algo sob a imagem, sob o conceito de adequação.
        Posso olhar para uma coisa como variação de uma outra. E, num caso extremo, o que vejo como variação poderia não ter nenhuma semelhança com o que vejo como sendo a sua variação. - Dizemos: antes é esta figura uma simples projecção daquela. Então curvam-se um pouco os raios de projecção; mas é ainda para mim uma projecção. Finalmente dobram-se até à irreconhecibilidade, mas vejo ainda uma projecção. (Como muitos vêem ainda um homem velho como novo, que mudou completamente relativamente ao que era antes.)
       
        É talvez estranho trazer para este contexto o caso do nome da pessoa. Mas podemos estabelecer uma conexão. Designadamente esta: vemos, justamente, o nome da pessoa como um retrato."

Ludwig Wittgenstein, Últimos Escritos sobre a Filosofia da Psicologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 66.


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

SEM PALAVRAS XLII



Johann Sebastian Bach (1685-1750), Aria da Suite para orquestra nº 3 em Ré maior, BWV 1068.
Ton Koopman - The Amsterdam Baroque Orchestra


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

FERNÃO MENDES PINTO E A «PEREGRINAÇAM»

Agenda 2011 da Imprensa Nacional Casa da Moeda, dedicada à obra Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.
Imagem daqui.



A GEOGRAFIA DA PEREGRINAÇÃO
As viagens relatadas por Fernão Mendes Pinto cruzam uma vasta geografia que se estende da Índia ao Japão, numa sucessão de mares, rios, vilas, cidades e reinos que desenham um intrincado mapa de múltiplas rotas. Mas a obsessão descritiva do autor não se limitou ao roteiro da sucessão de terras e aproxima o olhar da minúcia dos lugares, quer se trate das maravilhas da natureza, quer da deslumbrante obra do homem: palácios, muros, hospedarias, templos, jardins, campos lavrados. À semelhança de outros relatos da época, a Peregrinação inclui extensas informações sobre as terras e os homens, cumprindo uma grelha descritiva na perspectiva do conquistador, que inclui a situação geográfica, os mantimentos cultivados, as riquezas apetecidas pelos europeus, a organização administrativa e militar, as principais cidades e fortificações, a disposição dos habitantes.


O BOM GOVERNO DA CHINA
A viagem de Fernão Mendes Pinto e seus companheiros pelo interior da China ocupa a parte central da Peregrinação, sendo um dos episódios mais conhecidos da obra. À medida que o barco avança, o narrador descreve o aproveitamento e a abundância dos campos, o movimento comercial dos portos (tantos navios que parecem uma cidade flutuante), a magnificência das construções e, em especial, os muros que envolvem as cidades e as protegem dos malefícios exteriores. Ao chegar a Pequim, os cativos admiram a protecção de pobres e enfermos, assim como o bom funcionamento da justiça, apresentada como um sistema de muita humanidade que serve para provar que o homem pode construir um lugar melhor e mais justo, tarefas que Fernão Mendes Pinto não se cansa de apontar como missão cristã.


JAPÃO, A TERRA PROMETIDA
Na Peregrinação a imagem do Japão ocupa um lugar especial enquanto «nova terra», espaço propício à projecção do desejo de realização utópica característico das chegadas aos novos mundos. Fernão Mendes Pinto diz-se um dos primeiros portugueses a chegar ao Japão e reproduz alguns dos episódios mais conhecidos deste primeiro encontro, como a história da espingarda oferecida ao rei do Bungo. A condição de terra prometida vai sendo construída através das tempestades que, miraculosamente, ora empurram os portugueses para a descoberta das ilhas, ora os impedem de ali chegar como castigo pela cobiça, ora representam o superior sinal de Deus por meio da intervenção de Francisco Xavier que amaina os elementos em fúria.


OS MELHORES REINOS QUE HÁ EM TODO O MUNDO
A sequência dos 226 capítulos que formam a Peregrinação é dominada pelos movimentos de partidas e chegadas das constantes viagens por terra e por mar. Mas estas deambulações são, em muitos casos, determinadas por acidentes que levam Fernão Mendes Pinto por rotas inesperadas e o fazem testemunhar histórias locais. Tal acontece com brutais campanhas que o rei de Burma move aos reinos próximos, num extraordinário relato dos jogos de guerra. Fernão Mendes Pinto envolve-se de novo nas guerras que opõem o rei de Java ao rei de Passarvão, apresentado como exemplo do bom rei por oposição ao tirano de Burma. Chega depois ao Sião onde assiste às exéquias do rei envenenado pela rainha e, por fim, à tomada de Odiá pelo rei de Burma a que se seguem tremendas crueldades. As guerras que testemunha aguçam a cobiça do soldado-cristão que sonha com a fácil conquista destes reinos de grandeza, abastança, riqueza e fertilidade.


O CALAMINHÃO, SENHOR DO MUNDO
A viagem ao Calaminhão é um dos episódios que tem suscitado maior curiosidade pela novidade das descrições que parecem antecipar as técnicas realistas dos romances oitocentistas. Chegados à cidade de Timplão, metrópole do reino, Fernão Mendes Pinto e os companheiros atravessam «grande cópia de ruas muito compridas» e entram no primeiro terreiro das casas do Calaminhão. Fernão detém-se na minuciosa descrição dos espaços interiores, apresentados à medida que se cruzam pátios, atravessam salas, sobem escadas, passam corredores, até chegar «a uma grande casa, a qual neste tempo tinha as portas cerradas». O efeito de suspensão e mistério é adensado pela minuciosa exposição dos rituais que antecedem a abertura das portas, logo fechadas após a entrada da embaixada dos portugueses, deixando o leitor partilhar a visão de um grande jardim em que reconhecemos os tópicos essenciais da representação do paraíso terrestre.


A VIAGEM DAS LÍNGUAS
Peregrinação constitui um extraordinário repositório das «dicções alheias», como lhe chama o gramático quinhentista Fernão de Oliveira. Ao longo da narrativa, vão aparecendo reproduções de frases, como o autor as ouve, seguidas das «declarações» em português, o que serve o efeito de verosimilhança. Mas a imitação das línguas exóticas é também alcançada através de um estilo perifrástico e metafórico utilizado nos discursos das personagens orientais. As vozes orientais chegam a ocupar capítulos inteiros, servindo a ilusão exótica, ao mesmo tempo que servem as mais duras críticas aos comportamentos dos cristãos portugueses. Todos estes processos contribuem para a originalidade da Peregrinação e ensaiam precocemente formas de escrita romanesca.

Agenda Peregrinaçam 2011, Textos de Ana Paula Laborinho, Ilustrações de Carlos Marreiros, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2010.


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

DA CONCISÃO LIV


Afrodite, deusa do Amor e da Beleza.
Imagem daqui.



A beleza é grega.
Mas a consciência de que ela é grega é moderna.

Fernando Pessoa, Aforismos e Afins, Edição e Prefácio de Richard Zenith, Tradução de Manuela Rocha, Lisboa, Assírio & Alvim, 2005, p. 48.



terça-feira, 8 de setembro de 2015

PRÉMIO ELOQUÊNCIA CAMÕES 2015

Ivone Amélia Donaldo Manave. Daqui.


"Ivone Amélia Donaldo Manave, estudante da 11ª classe da Escola Secundária de Malhazine (em Moçambique) foi a vencedora do Prémio Eloquência Camões 2015. Com o trabalho «Igualdade de Género», Ivone defendeu a igualdade de oportunidades para as mulheres, num texto bem estruturado e apresentado oralmente com a convicção e o empenho de quem está a defender uma causa justa. (...)

O Prémio Eloquência Camões é promovido pelo Centro Cultural Português em Maputo e tem o apoio da Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes da Universidade Pedagógica."


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

DA SAUDADE XV

City is Landing, Jacek Yerka. Daqui.


"O messianismo português, que é diverso dos anteriores milenarismos, como os de Joaquim de Flora, ou Fiore, dado que assume um modelo de império, não redutível ao fim da história, mas antes como um fim que vem depois do fim, para utilizarmos as palavras de Dominique Roux. O messianismo bandarrista serve de semente para o mito do Quinto Império e alimenta o chamado sebastianismo. Com efeito, entre 1530 e 1540, surgem umas Trovas de Gonçalo Anes, de alcunha o Bandarra, sapateiro de Trancoso, que falam Desse bom Rei Encoberto que Tirará toda a Erronia/ Fará Paz em todo o Mundo. As Trovas, que serão julgadas como judaizantes pela Inquisição, servirão, contudo, de elemento fundamental para a estratégia de resistência dos que se opunham à administração filipina e tratavam de lançar achas para a fogueira do messianismo sebastianista, procurando transformar aquele que fora O Desejado num Encoberto. É, a partir de então, que se estrutura o mito do Quinto Império como uma religião política, como a integração simbólica de um povo, segundo as palavras de Jürgen Moltmann. É o que acontece a todas as nações que se auto-interpretam como nações metafísicas, em contraste com as chamadas nações empírico-etnográficas. Todas as nações que se assumem de um ponto de vista transcendental, representando diversos espaços histórico-geográficos de uma só e mesma nação. Daí a sua atracção e repulsão recíprocas, como salienta o recente filósofo russo Nikolai Chulguine, referindo-se... à Rússia. A ascensão e queda de Portugal nos séculos XV e XVI é fulminante. Do reino antigo, rapidamente se passa ao novo reino, sonhando-se com o Império, ao mesmo tempo que o rei, nos fins de 1576, começos de 1577, deixa de ser Alteza e se assume como Majestade, abandonando a coroa aberta do reino e alcandorando-se à coroa fechada e circular do soberanismo monárquico. Pouco tempo depois, com a derrota de Alcácer-Quibir em 1578, passa-se abruptamente, da suprema esperança, aos amargos da derrota. Os mitos da augmentação aparecem, assim, incidivelmente ligados aos mitos da decadência. Como observa Garcia de Resende: Era Portugal o cume/ Agora por mau costume/ Se perdeu em poucos anos. No cume, na procura do Império, a degenerescência dos costumes, a corrupção do corpo político e a falta de autenticidade do poder, que geram a necessidade de se plantar novo reyno, novos homens, novas Leys, novos costumes, como expressa D. Álvaro de Castro, em carta ao Cardeal D. Henrique. Um novo reino que, de certa maneira, procura retomar os antigos hábitos. Como se expressa o povo em Cortes, há uma enorme diferença entre o estado a que somos vindos e quão diferentes nas vidas e nos costumes daqueles Portugueses antigos, usando de tamanhos excessos nas jóias, nos comeres, nos adereços de nossas casas e nos exercícios de nossas vidas. Mas é deste choque que surge o típico da consciência nacional portuguesa, fundada na procura da regeneração e da refundação, onde, muito messianicamente, a memória do sofrimento constitui o principal alento para o desejo de libertação. (...) Sebastianistas continuam a ser aqueles que consideram que Portugal não é apenas aquele Portugal que permaneceu no Portugal dos séculos XV e XVI. Que há outros novos portugais além do Portugal Velho. Novos portugais que os genes e os sonhos dos sucessivos portugueses semeiam pelo mundo. Que há outros portugais sem o nome de Portugal e que constituem aquilo que Gilberto Freyre (1900-1987) qualificou como o mundo que o português criou. Neste sentido, Pessoa disse que falta cumprir-se Portugal, que a nossa missão é o impossível do conquistemos a distância, do mar ou outra, mas que seja nossa. Têm, pois, razão Alexandre Herculano, António Sardinha (1888-1925), António Sérgio (1883-1969) ou Agostinho da Silva (1906-1994) quando apontam certas facetas do renascimento como a primeira das causas da nossa decadência. Liberdadeiros, tradicionalistas, racionalistas ou esotéricos, uns simplesmente liberalistas, outros monárquicos, outros socialistas, outros republicanos, todos reconhecem que a decadência foi deixarmos de cumprir a liberdade portuguesa. Mas o Renascimento é um desses deuses com duas faces. Se uma aponta a decadência, a outra escreve-se com a esperança camoniana. 1580 constitui, de facto, um marco assinalado pelas lendárias palavras de Camões: morro, mas morro com a pátria. Não que a pátria tenha perecido, dado que o sofrimento, provocado pela consciência da ocupação, gerou o desejo de libertação. Ela volver-se-á em algo que se perde entre as brumas da memória, algo que nos é segredado pela voz dos egrégios avós, tornando-se saudade, ou messianismo, ou tentando transformar-se num imortal que tem de ressurgir, obrigando os vindouros ao esforço de levantar hoje de novo o esplendor de Portugal, conforme as palavras daquele que será o chamado hino nacional. Todo o patriotismo português será saudade e memória a partir de então, exigindo um esforço interior de refundação ou regeneração. (...)"

José Adelino Maltez, Abecedário Simbiótico - Um digesto político contemporâneo com exemplos sagrados e profanos, Entrada "Quinto Império", Lisboa, Campo da Comunicação, 2011, pp. 433-435.



sexta-feira, 4 de setembro de 2015

DA CONCISÃO LIII


Imagem daqui.



"A escrita hebraica e a escrita árabe vão de Oriente para Ocidente,/ A escrita latina, de Ocidente para Oriente./ As línguas são como os gatos:/ Não se devem acariciar contra a corrente do pelo. (...)"

Yehuda Amichai (1924-2000), "Poema Temporário do meu Tempo"


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

DA CONCISÃO LII


Pablo Picasso, Joie de vivre (1946). 

"La douleur fait le poète, mais la joie fait le peintre."

Camillo Boito, "Un corps", Trésor de la nouvelle de la littérature italienne, vol. 2, Paris, Les Belles Lettres, 2004, p. 70.



PRÉMIO LITERÁRIO ALVES REDOL

Imagem e informações detalhadas, incluindo o regulamento, aqui.


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

GIL VICENTE E O SEU TEMPO

            
Alfredo Roque Gameiro, Encenação de Estreia do Monólogo do Vaqueiro, de Gil Vicente. Daqui.



            O entardecer da nossa Idade Média tem o encanto nostálgico do Outono. Ideias e compleições espirituais declinam com suave lentidão, sem arrancos vigorosos do pensamento nem estremecimentos arrebatados da sensibilidade. Brandamente, como um fio de água que se escoa. O espírito foi jovial, o ânimo resoluto, os modos corteses, a inteligência tranquila e segura de si, mas a mente desconheceu dúvidas promissoras, a vontade, com querer virilmente o que quis, talvez se afirmasse mais extensamente em nolições que em volições, e a expressão literária, em si mesma, como forma de arte, não teve agilidade nem se enlevou no puro prazer estético. Dir-se-ia que ninguém, por então, deixara correr a pena só movida pelo deleite de escrever. (…) Poetas, prosadores, pregadores, todos utilizavam o verbo para instruir ou para entreter, para defender ou para atacar. A intenção didáctica tornara-se o signo daquela hora vesperal (…). Daí o desinteresse pela arte literária como expressão da sensibilidade estética, a intangibilidade de regras e preceitos, e o predomínio da temática ético-religiosa, tão absorvente que mal houve quem lançasse rápidos olhares para a gesta dos Descobrimentos e tão suspicaz que não custa a descobrir a reprimenda severa sob a aparência franca do riso e do chiste.
            Gil Vicente fez-se homem de letras nesta ambiência. O seu génio de poeta e a frescura da sua inspiração lírica colocaram-no fora e acima do estreito cercado do seu tempo; a sua mente, contudo, não se desprendeu da garra epocal. Na fronteira de duas culturas, a da Idade Média, que se aproximava do ocaso, e a Renascença, que entre nós foi sol nado quando a vida do Poeta descaía, o seu espírito, por mais alto que lhe ergamos a personalidade individualíssima, não pulsou nunca com a virtù, os anelos e a sensibilidade dos platonizantes, dos ciceronianos, dos paganizados, dos eruditos e dos retóricos que a revivescência das humanidades trouxe à actualidade (…).
            A índole espiritual de Gil Vicente e o teor das suas ideias nasceram e permaneceram na Idade Média, e só na Idade Média – , bem entendido na derradeira quadra que a sensibilidade e o pensamento medieval viveram entre nós (…).
            Por isso a voz de Gil Vicente não conheceu as galas do belo-dizer; as suas palavras brotaram do humus popular, recorrem às vezes ao vocabulário clerical e nada pediram de emprestado ao latim polido; as suas imagens têm viço e palpitam de ternura, sem a fatuidade e a bajulação vulgares nas dos humanistas; o seu pensamento, ora ingénuo, ora intencional, antepôs ao encadeamento de juízos a intuição imaginante do símbolo; as suas leituras sérias foram as de um pregador e as das horas de desenfado parece não terem ido além da literatura castelhana, especialmente dos novelistas e poetas da segunda metade de Quatrocentos; o seu riso teve a alacridade irreprimível do que irrompe visceralmente da gana, se delicia com a chalaça e esmorece com a ironia; a sua razão não intuiu nunca aquele «livre exame» que submeteria à mesma disposição categorial os textos sagrados e os eventos naturais; a sua imaginação quase só delineou cenários de risco litúrgico e sempre enroupou de panejamentos medievais os mitos e figuras da antiguidade clássica; a sua concepção do Mundo foi teocêntrica, o seu ideal social, hierárquico, a sua ética, a do asceta que, apesar de condescendente e bonacheiro, desnuda o homem para que ele se não esqueça de que a vida tem de ser a preparação da morte.
            O saber científico, que se constrói com o senso rígido e frio da exactidão, não lhe estava na índole, nem tão-pouco o visionou nos anos em que se alargam os horizontes da visão intelectual. Somente aprendeu e soube o saber que nutre directamente a conduta do homem para com Deus, para com o Rei e para com os demais homens, e esse saber, que teve sempre por sustento e fito o mais veemente amor a tudo quanto era português, encontrou-o já sistematizado em Sumas e Artes, e alcançou-o talvez numa aula claustral para noviços ou aprendizes de clérigo, talvez numa escola superior, como escolar teólogo, mas não com qualquer cura sertanejo e ainda menos por exclusivo esforço de autodidacta.

Joaquim de Carvalho, “Os Sermões de Gil Vicente e a Arte de Pregar”, in Obra Completa, vol. II – História da Cultura, 1948-1955, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 45-47.



terça-feira, 1 de setembro de 2015

SETEMBRO, SOPHIA

Gravura de Eugène Grasset, "Septembre", in Les mois. Daqui.


Oblíquo Setembro de equinócio tarde
Que se alonga e depara e vê e mira
Tarde que habita o estar do seu parado
Sol de Sul pelo sal detido

Assim o estar aqui e o haver sido
Quasi a mesma que sou no tão perdido
Morar aberto de um Setembro antigo
Com o mar desse morar em meu ouvido

Pura paixão que não conhece olvido

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Pura paixão que não conhece olvido", in Portugal Socialista, janeiro de 1984.