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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

DO NOME II

Religiões da Lusitânia - Loquuntur Saxa - MNA. Imagem do deus Endovélico (capa).



"(...) A onomástica pessoal assume, durante a Romanidade, várias formas, consoante o estatuto político-social do indivíduo, o seu sexo e ainda a época concreta em que viveu, já que os sistemas vigentes nem sempre foram exactamente os mesmos. Em qualquer dos casos, porém, um nome pessoal exarado numa epígrafe, mormente funerária, não cumpria apenas meros objectivos de pragmática identificação, antes destinava-se a ser lido alto por quem passava, formando assim uma sequência de sons especificamente - íamos a escrever «magicamente» - evocatórias da pessoa ausente. O nome, na Antiguidade, assume um cariz verdadeiramente ontológico. Ele exprime e representa, de alguma maneira, a própria essência, o próprio carácter do ser nomeado. O nome tem, em si mesmo, um indiscutível poder. Chamar, clamar por alguém proferindo o seu nome - lendo-o alto, oralizando-o - é revivificar esse alguém, é torná-lo momentaneamente presente e acessível (no antigo Egipto tal prática era utilizada com grande empenho).

De igual modo com os deuses. Invocá-los pelo seu próprio nome, pelo seu nome «verdadeiro», é possuí-los, é ter poder para poder controlar a sua vontade. Trata-se da clássica equação de nomen/ numen: nomen, o nome, a «essência" de um ente divino traduzido por certos sons; numen, a «vontade divina», o «poder divino».

Saber escrever o verdadeiro nome do deus é importante. Mas mais ainda é sabê-lo pronunciar correctamente: Endovellicus? Indovellicus? Endovollicus? Enobolicus?... Qual o verdadeiro nome? Recorde-se, a este propósito, o tão esclarecedor passo de Jâmblico, autor que viveu na transição do século III para o século IV d. C.: «Se os nomes tivessem sido atribuídos por convenção, não importaria trocar uns pelos outros; mas, se estão estreitamente unidos com a natureza dos seres, os que se assemelham a essa natureza são certamente também os mais agradáveis aos deuses». E, mais à frente: «Se é (efectivamente) possível traduzir os nomes, estes já não conservam porém (depois de traduzidos) o mesmo poder». Não é o significado semântico que importa, mas sim a sonoridade específica de cada nome. (...)"

José Cardim Ribeiro, "Sons desenhados - letras sonantes: escrita e oralidade na Época Romana", in AA.VV., A Escrita das Escritas, Coordenação de Luís Manuel de Araújo, obra editada por ocasião da exposição A Escrita: Traços e Espaços, Lisboa, Museu das Comunicações, Fundação Portuguesa das Comunicações e ESTAR Editores, 2000, pp. 92-93.




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