Ruy Belo (São João da Ribeira, Rio Maior, 27-02-1933/ Queluz, 08-08-1978).
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A errada concepção de que há uma poesia tradicional, que se praticou até ao Orpheu, e uma poesia moderna, também não tem contribuído para a compreensão destes problemas. A poesia, independentemente da querela dos antigos e dos modernos, sempre teve de ser moderna, de mudar, de criar a sua própria tradição. Moderno, sem mais, foi Sá de Miranda e, sem a sua acção poética e pedagógica, teria sido talvez impossível ou pelo menos singularmente mais difícil, grande parte de Camões.
No ensino da poesia, deve-se partir da poesia dos nossos dias para a poesia mais antiga. Se a poesia é fundamentalmente, como parece ser, uma forma particular de desvio em relação à linguagem quotidiana, mais fácil será ajuizar desse desvio relativamente à maneira actual de falar. Para só dar um exemplo, Carlos Drummond de Andrade pode muito bem servir de introdução a Camões.
Espero que algum dia seja possível ensinar a melhor poesia segundo a poesia que é. Ensinam-se aparentemente Os Lusíadas mas, em vez de se valorizar o que neles há de poético, põe-se em relevo o que é acidental, o que é útil,o que serve interesses as mais das vezes inconfessáveis e extraem-se lições que não decorrem imediatamente da sua arte.
Levantam-me às vezes também o problema da comunicação. Tenho de ser sincero e creio que posso sê-lo, uma vez que já disse o suficiente para não escandalizar ninguém de boa-fé. A questão da comunicação parece-me secundária. Ou os problemas do poeta interessam o público, que neles se revê, ou o poeta canta os problemas do público. Como também já uma vez disse, de Píndaro a Gottfried Benn, sempre os poetas mais ou menos praticaram ou defenderam o mesmo princípio de que, se alguém recorresse à poesia para se fazer compreender, ninguém escreveria versos.(...)"
Ruy Belo, "Um poeta explica-se", in Na Senda da Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 288-289.
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