George Steiner e a mulher, em casa, em Cambridge.
"(...) Já há 60, 70 anos que os jovens não leem. Lembre-se
que os jovens já não leem livros, leem sms, livros de BD, resumos no Kindle: o Hamlet
em 25 palavras, o Lear em 50 palavras… Os jovens estão impacientes,
estão zangados, muito zangados, com uma civilização, uma sociedade, que não
lhes está a dar a esperança socioeconómica de que necessitam para a vida. Para
ler, realmente ler, ler seriamente, tem de haver determinadas condições. Deixem-me
por favor refletir sobre isto e não cortem esta parte da entrevista. Para ler
seriamente: a) É preciso silêncio. Não ponha música, tire o rádio e a televisão
do quarto. Tem de saber viver, e conviver, com o silêncio. Cada vez menos jovens
querem viver com o silêncio. Na realidade, têm-lhe medo. O silêncio tornou-se,
de resto, muito caro. Uma casa como esta, com um jardim sossegado, é uma
exorbitância para um casal jovem, que vai possivelmente viver para um prédio
com paredes tão finas que é possível ouvir tudo! Vivemos num inferno de ruído
constante. b) Tem de estar preparado para – e não ria de mim – saber excertos
de cor. Aquilo que amamos, devemo-lo saber de cor. Não é por acaso que ‘coração’
em Latim é cor. Ninguém nunca nos pode tirar o que sabemos de cor. Deixem-me
frisar. Saber, saborear, de cor, com o coração, não com a cabeça. Queremos
sempre levar connosco o que amamos. Eu sou muito velho, mas tento todos os
dias, ou quase todos, aprender um poema ou fragmentos de um poema de cor,
porque é assim que se agradece uma bela obra. Que outra maneira tenho eu de
agradecer a Dante, a Cervantes, a Lope de Vega ou a Shakespeare? A partir do
momento em que sabemos um poema de cor, algumas poucas linhas, ele começa a
viver dentro de nós. c) Precisa de ter alguma, considerável, privacidade. Esta última
condição é tremenda, provavelmente a mais difícil, em especial para os jovens
de hoje. Atualmente, a privacidade é o inimigo n.º 1 de todo o jovem. Não só se
confessa tudo a toda a gente, como é imperativo que o faça imediatamente. Ninguém
guarda a experiência, qualquer que ela seja, só para si. Então, três condições:
silêncio, aprender de cor e privacidade. De outra forma, é impossível viver uma
grande obra. Até porque as grandes obras são, geralmente, muito difíceis,
exigentes. Querem algo de nós. Leem-nos. Leem-nos mais do que nós as lemos.
Descobrem coisas sobre nós: se nos conseguimos concentrar, se estamos preparados
para trabalhar no sentido de as percebermos realmente, etc. Tenho sempre um
dicionário aberto na minha secretária. Os mais novos não usam dicionário. Empregam
um vocabulário mínimo nas sms que enviam. Shakespeare usava 24 000 palavras.
Num estudo muito recente, pela companhia telefónica americana Bell, o total de
palavras usadas por 90%, notem: 90%, dos americanos ao telefone é de 150 palavras.
Estão a ver? É isto que me assusta. Ora, o problema do colapso económico, da
provável redução dos nossos luxos, pode ter consequências muito boas. Quando as
coisas estão mal, muito mal, as pessoas começam a ler com seriedade, a ler melhor.
Ouve-se mais e melhor música, por exemplo. Temos magníficas salas de concertos
por toda a Inglaterra, não apenas aqui em Londres, mas em Birmingham,
Manchester, Newcastle, e essas salas enchem-se por estes dias. Os mais novos
começam a procurar a música clássica. Os nossos museus enchem-se também. Tem de
se esperar horas na fila para entrar nas grandes exposições, em Londres, em
Paris… Horas! Tem de se fazer reservas com muita antecedência para a exposição
do Monet, do Gauguin, do Picasso… E isto é novo. Antigamente, os jovens não queriam
ir aos museus; começam agora a fazê-lo. É difícil estar demasiado confiante,
mas sintomas como estes são muito interessantes e devemo-los ter em conta. Os
jovens começam a ter fome de algo mais substancial do que a pastilha elástica momentânea
da pop. (...)"
“Entrevista internacional – George Steiner”, entrevistado por
Béata Cieszynska e José Eduardo Franco, in
Revista Letras com Vida – Literatura, Cultura e Arte, nº 3, 1º semestre,
2011, Lisboa, Gradiva Publicações e CLEPUL, p.12.