Gustav Klimt, Minerva ou Palas Atena (1898).
Imagem daqui.
«CARÁCTER POSITIVO DA ARTE
A arte é a coisa santa da humanidade. Entre o sentimento religioso, apaixonado mas confuso e ilusório, e a Ciência, luminosa e segura mas fria, há uma região serena e clara aonde a transparência do ar consente aos olhos do espírito perceber na correcção inteira de suas linhas, a forma puríssima da Verdade, sem que por isso o coração bata com menos força, sem que por isso deixe de crer, de amar e de ser vivo. É esse o domínio eterno da Arte. (...) A viva claridade do pensamento e o ardor irresistível da paixão, a Ciência e a Religião, esses dois elementos rivais, quase contraditórios do movimento humano, encontram-se naquela alta e serena região, tocam-se, reconhecem-se... e abraçam-se como irmãos reconciliados.
Deste abraço ideal, santo e desinteressado, desta abençoada reconciliação da inteligência e do coração, nasce a coisa entre todas formosa e alta, a divindade mais cara à alma dos homens, a Beleza, e a sua forma visível, a Arte.
É o corpo ondeante e voluptuoso da Quimera sustentando a fronte grave e reflectida da Palas Ateniense. É o sonho e a realidade, unidos, harmonizados enfim pela mão omnipotente dalgum Deus desconhecido, num mundo novo de surpresas e maravilhas. O último termo do pensamento, o último termo da paixão acham-se ser o mesmo, comum para ambos, diferente dum e do outro, mas deixando perceber, através da transparência da sua síntese harmoniosa, a cor de cada uma das almas de que se compõe. Nem podia ser doutro modo. A desarmonia pode existir nos factos do mundo, nas formas aparentes; jamais nas leis eternas. E os actos do espírito se parecem contradizer-se, se flutuam encontrados, no fundo o movimento é o mesmo e a contradição visível esconde uma concordância íntima profundíssima, porque o espírito é uno e simples. A intuição e a ideia são apenas duas ondas produzidas pelo mesmo impulso; duas vozes da mesma boca, duas expressões do mesmo olhar. O que deseja o coração, o que quer a inteligência é uma coisa só: luz e amor: a verdade que se vê e a verdade que se sente. (...)»
Antero de Quental, "Arte e Verdade - Carácter Positivo da Arte", in Prosas da Época de Coimbra, edição crítica organizada por António Salgado Júnior, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1973, pp. 232-233.
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