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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 12 de setembro de 2017

REALIDADE E CRIAÇÃO ARTÍSTICA


René Magritte, Le blanc seing (1965).
Imagem daqui.




«(...) As luzes quebram-se, apagam-se na sala, ouvem-se as pancadas ditas de Molière, que espanto causarão elas nas cabeças dos pescadores e suas mulheres, talvez imaginem que são os últimos preparos da carpintaria, as últimas marteladas do maço no estaleiro, abriu-se o pano, está uma mulher a acender o lume, noite ainda, lá atrás do cenário ouve-se uma voz de homem, a do chamador, Mané Zé Ah Mané Zé, é o teatro que começa. A sala suspira, flutua, às vezes ri, alvoroça-se no fim do primeiro acto, naquela grande zaragata das mulheres, e quando as luzes se acendem, vêem-se rostos animados, bom sinal, em cima há exclamações, chamam-se de camarote para camarote, até parece que os actores se mudaram para ali, é quase o mesmo falar, quase, se melhor ou pior depende da bitola de comparação. Ricardo Reis reflecte sobre o que viu e ouviu, acha que o objecto da arte não é a imitação, que foi fraqueza censurável do autor escrever a peça no linguajar nazareno, ou no que supôs ser esse linguajar, esquecido de que a realidade não suporta o seu reflexo, rejeita-o, só uma outra realidade, qual seja, pode ser colocada no lugar daquela que se quis expressar, e, sendo diferentes entre si, mutuamente se mostram, explicam e enumeram, a realidade como invenção que foi, a invenção como realidade que será. (...)»

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa, Caminho, 1998, p. 105.



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