Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 31 de março de 2017

CELEBRIDADE VERSUS IMORTALIDADE


A Imortalidade (Paris).
Imagem daqui.




"Cesário Verde

Houve em Portugal, no século dezanove, três poetas, e três somente, a quem legitimamente compete a designação de mestres. São eles, por ordem de idades, Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha.

Com excepção de Antero, todavia dubitativamente aceite e extremamente combatido, coube a todos três a sorte normal dos mestres - a incompreensão em vida, nos mesmos (como em Byron, derivando de Wordsworth e combatendo-o) sobre quem exerceram influência.

A celebridade raras vezes acolhe os génios em vida, salvo se a vida é longa, e lhes chega no fim dela. Quase nunca acolhe aqueles génios especiais, em quem o dom da criação se junta ao da novidade: que não sintetizam, como Milton, a experiência poética anterior, mas estabelecem, como Shakespeare, um novo aspecto de poesia. Assim, e nos exemplos comparativamente citados, ao passo que Milton, embora sem pequenez para ser aceite pelo vulgo, foi de seu tempo tido como grande com a grandeza que tinha, Shakespeare não foi apreciado pelos contemporâneos senão como cómico.

Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura. Com Cesário Verde se fundou entre nós a poesia objectiva, igualmente ignorada entre nós. Com Camilo Pessanha a poesia do vago e do impressivo tomou forma portuguesa. Qualquer dos três, porque qualquer é um homem de génio, é grande não só adentro de Portugal, mas em absoluto.

Os restantes poetas tiveram o seu tempo, e quem tem o seu tempo não pode ter outros. O que os deuses dão, vendem-o, diziam os gregos. Junqueiro morreu logo que morreu. O mesmo Pascoais está moribundo. Não que destes poetas mais célebres que imortais não fique nada. Ficam poemas; a obra, porém, não fica.

Este fenómeno tem uma explicação, porque tudo tem uma explicação. A celebridade consiste numa adaptação ao meio; a imortalidade numa adaptação a todos os meios. Quando se diz que a posteridade começa na fronteira, assim, em certo modo se entende.(...)"

Fernando Pessoa, "Estudo Crítico (fragmentos)", in Cesário Verde, Cânticos do Realismo e Outros Poemas, 32 Cartas, textos de Fialho de Almeida e Fernando Pessoa, edição de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio d'Água Editores, 2006, pp. 225-226.



quinta-feira, 30 de março de 2017

FREI LUÍS DE GRANADA


Frei Luís de Granada, por Francisco Pacheco, no Libro de descripción de verdaderos retratos, ilustres y memorables varones (1599).




"FREI LUÍS DE GRANADA

Se visitardes um dia, em Lisboa, a Igreja de S. Domingos (e quem vai visitá-la, se é morta e queimada como clareira de floresta sem árvores, frutos e fontes limpas?), no que foi a antecâmara da capela-mor, encontrareis o túmulo de Frei Luís de Granada. É de mármore branco com jaspes embutidos de cores variadas, mais baços do que reluzentes. Os ossos que contém são dum homem que o povo de Lisboa amou com paixão; tanto lhe pretendeu as relíquias, até os dentes, que eram poucos e desolados na boca maviosa, que foi preciso defender-lhe o cadáver a ponta de punhal.

Dois nobres portugueses o escoltaram até ao antecoro do convento de S. Domingos, onde ficou quase meio século. Já se armavam as conspirações com que o reino se libertou dos Filipes, quando, com esmolas dos fiéis, se levantou a arca em que jaz Frei Luís.

Mas perdeu-se a memória de tão grande predicador."

Agustina Bessa-Luís, Caderno de Significados, selecção, organização e fixação de texto de Alberto Luís e Lourença Baldaque, Lisboa, Guimarães Editores, 2013, pp. 50-51.




quarta-feira, 29 de março de 2017

XADREZ NA BIBLIOTECA

Cartaz da autoria de Patrícia Lopes 

POESIA DE LUÍSA CORDEIRO (15)



Fado Mouro

O Fado
é  Alma que canta,
o Fado é Alma que chora,
ora rindo,
ora chorando,
vou-o cantando
hora a hora.

Fado negro,
Fado mouro,
de sangue
da cor do meu,
ai Fado 
marfim e ouro,
Fado dolente,
tesouro
que ficou,
não se perdeu.

Ó ruelas estreitinhas,
trilhos de terra vermelha,
muros brancos
e azulejos,
em esquinas 
de desejos,
casas direitas...
sem telhas.

Luísa Cordeiro

DA CONCISÃO LXXXI


Imagem daqui.




"(...)
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que vento em folha de livro.
todavia a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
(...)"

João Cabral de Melo Neto, "Para a Feira do Livro", in Poesia Completa (1940-1980), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986, p.158.




segunda-feira, 27 de março de 2017

RESISTÊNCIA CIVIL | ACORDO COM A NATUREZA BICENTENÁRIA DE H. THOREAU






"No Bicentenário de Henry David Thoreau (1817-1862), encontramos o momento propício para refletir, por um lado, sobre a soberania individual e a vida frugal em acordo com a natureza, e, por outro, sobre o desafio às convenções vigentes, quando estas violam os princípios da liberdade para todos e da consciência de cada um."


A mostra estará patente de 10 de abril a 6 de maio de 2017.

Imagem, texto e informações detalhadas no sítio da Biblioteca Nacional de Portugal.



sexta-feira, 24 de março de 2017

RILKE


Imagem daqui.




DE OS SONETOS A ORFEU

1. XXII

Apressados que somos!
Mas a marcha do tempo
é como simples sopro
dentro do permanente.

O que depressa corre
em breve é já passado:
só no que se demora
somos iniciados.

Juventude, não turves
teu coração no ímpeto
nem no sonho do voo.

O claro e o escuro,
a flor tal como o livro:
tudo exige repouso.

Rainer Maria Rilke, Die Sonette an Orpheus, Erster Teil, XXII (1923), in "Vozes da Poesia Europeia - III", Colóquio-Letras, traduções de David Mourão-Ferreira, número 165, setembro-dezembro de 2003, p. 52.



terça-feira, 21 de março de 2017

DIA MUNDIAL DA POESIA


Pablo Picasso, O Poeta (1911).




O POETA

O poeta tem os seus dias
contados,
como todos os homens; mas quanto,
quanto mais variados!

As horas do dia e as quatro estações,
um tanto menos de sol ou mais de vento,
são o devaneio, o acompanhamento
sempre diverso para suas paixões,
sempre as mesmas; e o tempo que faz,
ao levantar-se, eis o grande acontecimento
do dia, sua alegria assim que desperta.
Nada como as luzes contrárias o alegra,
nada como os belos dias
movimentados,
e em longas histórias multidões imersas,
onde o azul e a tempestade duram pouco,
onde se alternam searas de infortúnio
e de vitória.
Com um rubro crepúsculo se entusiasma;
e com as nuvens muda de cor,
ainda que lhe não mude a alma.
O poeta tem os seus dias
contados,
como todos os homens; mas quanto,
quanto mais abençoados!

Umberto Saba, "Il poeta", Trieste e una donna (1912), in "Vozes da Poesia Europeia - III", Colóquio-Letras, traduções de David Mourão-Ferreira, número 165, setembro-dezembro de 2003, p. 75.



segunda-feira, 20 de março de 2017

FRÉSIAS


Frésias. Daqui.




Campo dei fiori

Não sei quanto tempo duram as frésias
a rendição de um corpo
é sempre tão inesperada

José Tolentino Mendonça, A Noite Abre Meus Olhos - poesia reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010, p. 165.



sexta-feira, 17 de março de 2017

PRÉMIO BRANQUINHO DA FONSECA





«O Prémio Branquinho da Fonseca tem como objetivo incentivar o aparecimento de jovens escritores (entre os 15 e os 30 anos) de literatura infantil e juvenil.»

Do sítio da Fundação Calouste Gulbenkian, onde se encontra disponível o regulamento.

Poderá concorrer até ao dia 31 de maio.



quinta-feira, 16 de março de 2017

HERANÇAS, VIVÊNCIAS E PATRIMÓNIO JUDAICO EM PORTUGAL






« "Heranças, Vivências e Património Judaico em Portugal" é o título de uma exposição que tem como objetivo dar a conhecer a história do judaísmo no país. A exposição, promovida pela Rede de Judiarias de Portugal - Rota de Sefarad, convida, assim, a uma viagem pela vivência dos sefarditas em território nacional. Com inauguração marcada para 20 de março, a mostra estará patente na Torre do Tombo, em Lisboa, até 29 de abril.»

Imagem e texto do sítio do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.



MERCADO DO LIVRO FRANÇA BORGES 2017


A imagem e outras informações encontram-se aqui.



A 2ª edição do Mercado do Livro França Borges decorrerá das 10h00 às 20h00 de sábado, 18 de março, no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa.



quarta-feira, 15 de março de 2017

O MAR E O AMOR


Edgar Degas, Marine, soleil couchant (1869).
Imagem daqui.



O MAR E O AMOR

O mar mais o amor são igualmente amargos.
Amargo, sim, o mar; amargo, sim, o amor.
E, tal como no mar, naufragamos no amor,
pois no mar e no amor existem tempestades.

Quem as águas temer, permaneça na marge;
e quem temer o mal de sofrer por amar
não se deixe, jamais, pelo amor inflamar:
assim ficam os dois libertos de naufrágio...

Teve a mãe do amor como seu berço o mar,
Sai o fogo do amor; sua mãe sai das águas;
mas contra um fogo tal a água não tem armas.

Pudesse ela extinguir um braseiro amoroso,
e então o teu amor, que para mim é fogo,
'staria extinto já no mar das minhas lágrimas.


Pierre de Marbeuf, "Et la mer et l'amour ont l'amer pour partage", in Vozes da Poesia Europeia - II, traduções de David Mourão-Ferreira, número 164, maio-agosto de 2003, p. 177.



terça-feira, 14 de março de 2017

segunda-feira, 13 de março de 2017

SEMANA DA LEITURA

Cartaz elaborado por Miguel Ferreira, aluno do 12.º PM3 desta escola

MANEIRA, DIFERENÇA OU MODO


Imagem daqui.




"A vida é terra e o vivel-a é lodo.
Tudo é maneira, differença ou modo.
Em tudo quanto faças sê só tu,
Em tudo quanto faças sê tu todo."

12-9-1935

Fernando Pessoa, Poemas de Fernando Pessoa - Rubaiyat, edição de Maria Aliete Galhoz, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008, p. 41.



sexta-feira, 10 de março de 2017

O REI PASMADO


Gonzalo Torrente Ballester (La Coruña, 1910-Salamanca, 1999).
Imagem daqui.



"O Rei atreveu-se a dar uma olhadela ao espelho, de soslaio, e, apesar do medo que o fazia tremer, medo ou porventura desejo, aprovou, pelo menos em primeira instância, a imagem que o espelho lhe devolvia. Então olhou-se, de frente e com franqueza: tinha vestido um fato branco, sem outros adornos além dos bordados do tecido, e conseguira dominar, à força de água e pente, o cabelo rebelde e claro que, assim acachapado, rematava bem a sua figura. Tinha pendurada ao pescoço uma miniatura do Tosão, e esteve quase para a tirar também, mas, como pensava dar uma volta pelo salão, onde àquela hora ainda restavam alguns cortesãos, preferiu deixá-la, ainda que mais tarde a guardasse na escarcela. Sorriu para si próprio, e saiu. Quando chegou ao corredor mais largo, ouviu a música que vinha do lado do salão, e para lá se dirigiu. Não abriu a porta de roldão, nem permitiu que o anunciassem; começou por entreabri-la, e pôde ver as pessoas dançando e, ao fundo, em cima do estrado, uma trupe de músicos e cantores. Pareceu-lhe um bom presságio, entrou e deslizou colado a uma das paredes, sem que ninguém o tivesse descoberto, ou, pelo menos, sem que ninguém desse mostras de o ter visto entrar. Abrigou-se no vão de uma janela, quase tapado pelas cortinas, mas havia alguém ali, ou encoberto ou escondido. Quem ali estava descobriu-se, e fez-lhe uma chapelada. O Rei reconheceu-o de imediato. (...)"

Gonzalo Torrente Ballester, Crónica do Rei Pasmado, Lisboa, Editorial Caminho, 1992, pp. 110-111.



quinta-feira, 9 de março de 2017

POESIA DE LUÍSA CORDEIRO (14)



"O amor da minha paixão"

Meu amor,
sonho em que me embala
a noite
nos teus braços protetores.

Sussurros
de beijos...
doces...
meigos...
apaixonados...

Bocas sedentas
que se encontram
que o céu
das nossas bocas
testemunha.

Os meus lábios
procuram os teus,
a minha boca sem te ver
encontra-se com a tua,
e meu amor,
nesse momento,
o fogo do nosso amor
incendeia o firmamento.

Luísa Cordeiro



DESAFIOS EM 77 PALAVRAS - O LIVRO





quarta-feira, 8 de março de 2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

JUDAICA 2017


Imagem e todas as informações aqui.



A ESTRUTURA DO SONETO





soneto do soneto

catorze versos tem este soneto
de dez sílabas cada, na contagem
métrica portuguesa; de passagem,
o esquema abba dá esqueleto

aos versos do começo; a engrenagem
podia ser abab, mas meto
aqui baab: destarte, preto
no branco, instabilizo a sua imagem.

teria, isabelino, uma terceira
quadra cddc e ee final,
em vez de dois tercetos, com quilate

sempre de ouro no fim, de tal maneira
porém o engendrei continental,
que em duplo cde tem seu remate.

Vasco Graça Moura, Poesia 2001/ 2005, Lisboa, Quetzal, 2006 (p. 286).




sexta-feira, 3 de março de 2017

CINEMA - ARTE MILITAR






«Cinématographe, art militaire. Préparer un film comme une bataille*.


*À Hedin, nous étions tous logés à l'Hôtel de France. Pendant la nuit, me poursuivait le mot de Napoléon: "Je fais mes plans de bataille avec l'esprit de mes soldats endormis."»

Robert Bresson, Notes sur le cinématographe, Paris, Éditions Gallimard, 1988, p. 30.



quinta-feira, 2 de março de 2017

DA ORIGINALIDADE





"(...) Uma cousa é o methodo de construir sciencia, e outra cousa é o methodo de a expender. Se o professor não ensina firmado em principios fixos e estatuidos, se não visa o scôpo em linha recta e segura, se não sabe aconchegar-se da percepção do alumno, debalde se dispende em aptidão e engenho, que a miudo lhe descambará o pé. É urgente que as suas prelecções tenham realces originaes; e nunca os ha de ter, embora lhe sobejem conhecimentos solidos, se estes forem exclusivos, e se a extensão do espirito não estiver em harmonia com a profundidade. A arte suprema é saber aformosentar as questões mais arduas, lustrando-as das côres mais adequadas, dando-lhes relêvos de utilidade consentaneos á honra, á glória, riqueza, justiça, ordem moral e physica, sciencia, virtude, amor patrio e de familia, grandeza de animo, leis divinas e humanas, immortalidade, paz, etc. É sobremaneira dissaborida e triste a vida escolar, se o professor não sabe matizal-a com variados expedientes e aplicações que enriqueçam a intelligencia de idéias novas, sem desvial-a do alvo apontado. (...)"

Camilo Castelo Branco, Prefácio a Diccionario Universal de Educação e Ensino, org. E. M. Campagne, vol. I, Porto e Braga, Livraria International de Ernesto e Eugénio Chardron, 1873, pp. viii.


N.B. Foi respeitada a grafia original.