Gonzalo Torrente Ballester (La Coruña, 1910-Salamanca, 1999).
Imagem daqui.
"O Rei atreveu-se a dar uma olhadela ao espelho, de soslaio, e, apesar do medo que o fazia tremer, medo ou porventura desejo, aprovou, pelo menos em primeira instância, a imagem que o espelho lhe devolvia. Então olhou-se, de frente e com franqueza: tinha vestido um fato branco, sem outros adornos além dos bordados do tecido, e conseguira dominar, à força de água e pente, o cabelo rebelde e claro que, assim acachapado, rematava bem a sua figura. Tinha pendurada ao pescoço uma miniatura do Tosão, e esteve quase para a tirar também, mas, como pensava dar uma volta pelo salão, onde àquela hora ainda restavam alguns cortesãos, preferiu deixá-la, ainda que mais tarde a guardasse na escarcela. Sorriu para si próprio, e saiu. Quando chegou ao corredor mais largo, ouviu a música que vinha do lado do salão, e para lá se dirigiu. Não abriu a porta de roldão, nem permitiu que o anunciassem; começou por entreabri-la, e pôde ver as pessoas dançando e, ao fundo, em cima do estrado, uma trupe de músicos e cantores. Pareceu-lhe um bom presságio, entrou e deslizou colado a uma das paredes, sem que ninguém o tivesse descoberto, ou, pelo menos, sem que ninguém desse mostras de o ter visto entrar. Abrigou-se no vão de uma janela, quase tapado pelas cortinas, mas havia alguém ali, ou encoberto ou escondido. Quem ali estava descobriu-se, e fez-lhe uma chapelada. O Rei reconheceu-o de imediato. (...)"
Gonzalo Torrente Ballester, Crónica do Rei Pasmado, Lisboa, Editorial Caminho, 1992, pp. 110-111.
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