Jorge de Sena (Lisboa, 1919 - Santa Bárbara, Califórnia, 1978)
Discurso pronunciado por Jorge de Sena, na Catânia, Sicília, no momento
de receber o Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina, no dia 25 de abril
de 1977.
“DISCURSO
DO XV PRÉMIO INTERNACIONAL DE POESIA ETNA-TAORMINA
(…) A
liberdade que voltou a Portugal é algo pela qual sempre lutei, à qual
sacrifiquei muito da minha vida inteira, e a essa luta pertence grande parte da
minha poesia. E é outra razão especialíssima para um escritor português
antifascista receber com emoção este Prémio, sobretudo se este escritor sempre
contou a Itália entre as suas pátrias do espírito, como é o meu caso. Hoje, 25
de Abril, é o aniversário da definitiva queda do Fascismo italiano há décadas,
mas é também o aniversário da queda recente do fascismo português. Neste momento
permitam-me que faça votos para que nem um nem outro jamais voltem a dominar
povos nobres como os nossos, sempre traídos por classes dirigentes menos nobres
que eles. (…)
E assim,
num dia tão significativo, nesta Sicília simbólica de quanto o Ocidente
produziu e fundiu de civilização, aqui tendes este português com mais de uma
pátria e que, assim sendo, deixem-me informar-vos, representa realmente
Portugal. O meu país sempre, desde que começou há mais de oito séculos,
exportou mais homens do que outra coisa. E sempre foi para os seus filhos uma
pátria ingrata, sem que esses filhos deixassem de amá-la profundamente.
A minha
poesia nada tem de patriótica ou de nacionalista, e eu sempre me quis e me fiz
um cidadão do mundo, no tempo e no espaço. É uma poesia que sabe de tudo e que
se escreveu em toda a parte, desde a épica de Gilgamesh, até à falta de
comunicação com que os poetas mais jovens de hoje fingem que não estão calados.
É também a poesia de um homem que viveu muito, sofreu muito, partilhou a vida
pelo mundo adiante, sempre exilado, e sempre presente com uma vontade de ferro. Mas
é uma poesia que, sempre que se forma, não sabe nada, porque é precisamente a busca ansiosa e desesperada de um sentido
que não há, se não formos nós mesmos a
criá-lo e a fazê-lo. (…)
Senhoras
e Senhores. Recebo este prémio com uma emoção infinita, cujas múltiplas razões
já acentuei. Recebo-o humildemente, creiam, menos por mim do que representando
uma literatura velha de novecentos anos, desde os seus fragmentos mais antigos.
E, mais do que isso, uma literatura latina, filha directa, como a vossa,
na língua e na tradição, daquele mundo greco-latino de que esta terra da
Sicília foi pátria de eleição, e uma literatura-mãe de outras literaturas tão
pujantes e grandes como a brasileira, e tão prometedoras como as africanas que
despontam. Helenicamente, romanamente, ou portuguesmente, nós e vós descobrimos
e dominámos o mundo. Agora, estamos, Itália e Portugal, na lista dos países
velhos cujas contas os outros examinam, para emprestar-nos dinheiro, e cuja
ordem e progresso possíveis há quem deseje destruir. Mas a velhice tem suas
vantagens: uma cínica e inocente sabedoria que nos salva à última hora, e uma
consciência tranquila de que a morte, se vier, não nos mata. Porque aquilo que
somos em cultura não pode morrer. (…)
Uma palavra
mais: em nome do ainda mais que me liga a vós. Eu nasci em Lisboa,
lendariamente fundada por Odysseus numa das suas viagens que Homero se esqueceu
de contar ao dizer das andanças dele nestes mares. E, como descendente de
lusitanos, descendo do lendário Lusus, e sou portanto neto do próprio Diónisos.
Sou, portanto, de nascença, e divinamente, um cidadão da Magna Grécia que
apenas necessitava desta consagração para reassumir a sua plena nacionalidade:
Etna-Taormina.
À
Sicília, à Itália, ao digníssimo júri, ao meu tradutor italiano, a todos vós,
muito obrigado, por mim e por Portugal.
Taormina,
23 de Abril de 1977”
A Arte de Jorge de Sena, edição de Jorge
Fazenda Lourenço, Lisboa, Relógio D’Água Editores, 2004, pp.369-373.
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