Os doze profetas, obra do Aleijadinho.
Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais, Brasil
“Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel,
Oséias, Jonas, Joel, Amós, Nahum, Abdias, Habacuc: meus doze amigos e sombrios
profetas ficaram para trás; da minha janela, nesta casa de Mateus, vejo o vale,
suas trilhas, as lavouras, os pastos e a floresta, a Pedra do Papagaio. Já estou
aqui há muitas semanas; o inverno transforma-se em primavera cálida e florida;
na janela há uma planta colorida, a buganvília, e o dia todo beija-flores de
tons metálicos vêm visitá-la: param no ar, vibrando as asas como besouros, e
bebem o néctar doce. É curioso que este lugar, escolhido por Mateus, tenha sido
visitado há oitenta anos por Saint’Hilaire e que ele tenha descrito o vale e as
montanhas com tantos detalhes. Foi como uma premonição para mim.
*
Antes de nossa viagem para o Brasil, naqueles dias
em que visitamos Firmiano em Digne, na Provence, ele havia falado muito das
viagens de seu mestre; nos mostrara os livros editados na França e nos dera uma
coleção deles para nos ajudar em nossa busca. Eu os lera antes mesmo de
partirmos; mas eram tantas as informações, que registrei apenas o essencial: os
guarani, os botocudos, o Rio de Janeiro – informações de viagem. Além disso, o
impacto da realidade, desde que havíamos aportado em Salvador, sobrepujara o
conteúdo de qualquer texto; havia muito o que aprender no dia a dia. Seus livros
continuam comigo, como continuam as obras de Gonçalves Dias. Outro dia,
voltando de um passeio pelo sopé da grande pedra, Mateus mostrou-me uma flor
complexa, com profunda coloração lilás e sabor de hortelã; mas não sabia seu
nome. Ao retornar, busquei os livros de Saint’Hilaire para ver se ele a havia
registrado. Foi então que, surpreso, descobri que ele havia citado não apenas
essa flor, mas que fizera uma descrição primorosa de todo o vale, da serra, das
pedras, e até mesmo da gente que habita por aqui; Mateus escolhera o lugar
certo para viver.”
Murilo Carvalho, O Rastro do Jaguar, Alfragide, Leya,
2009, pp.236-237.
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