Miguel Ângelo, Escada da Biblioteca Laurentina.
Imagem daqui.
«(...) Pode haver regras do gosto, mas elas não garantem a beleza de uma obra de arte, que pode mesmo residir na transgressão às regras do gosto. As quarenta e oito fugas de Bach evidenciam todas as regras da composição para fuga, embora o façam criativamente, mostrando como as regras podem ser usadas como plataforma para nos elevarmos a um nível de liberdade mais elevado. Obedecer-lhes meramente seria uma receita para a estagnação, como mos exercícios pelos quais se começa as lições de contraponto.
Também na arquitectura pode haver edifícios que nós encaramos como governados inteiramente por regras, como o Pártenon. Porém não é isso que explica a sua perfeição. A serenidade e a solidez do Pártenon vêm ao de cima devido a esse "não sei quê" de criativo - a escala, as proporções, o detalhe, que emergem quando a obediência às regras acaba. E, claro, há a beleza que surge do desafio aberto às regras, como a Biblioteca Laurentina de Miguel Ângelo.
É mais ou menos óbvio que não há na Natureza "obediência às regras" ou "desafio às regras". No entanto há simetrias, harmonias, proporções e também o desafio estético resultante da inexistência destas coisas. Os pensadores do século XV, que desejavam adoptar a beleza natural como paradigma do objecto de bom gosto, depressa acolheram o contraste de Burke entre o sublime e o belo. Também no caso da arte podemos distinguir com proveito aquelas obras que nos comprazem devido à ordem, harmonia e perfeição governadas por regras, que exibem (como as fugas de Bach, as Virgens Santíssimas de Bellini ou os versos de Verlaine), e aquelas que, pelo contrário, nos comprazem porque desafiam e perturbam as nossas rotinas, rebentando com as grilhetas do conformismo e destacando-se da tradição a que pertencem (como o Rei Lear ou a Sexta Sinfonia de Tchaikovsky). Todavia, assim que fazemos esta distinção percebemos que até na obra mais ordenada e governada por regras é impossível fixar um "padrão do gosto" apelando às regras. Não são as regras, mas o seu uso, que nos atrai numa fuga de Bach ou numa Virgem de Bellini. Aqueles que procuram um padrão nas regras expõem-se à refutação, bastando para isso salientar-se que a obediência às regras não é nem uma condição necessária, nem uma condição suficiente, da beleza. Pois, se fosse suficiente poderíamos (...) adquirir gosto em segunda mão; se fosse necessária, a originalidade deixaria de ser um sinal de êxito."
Roger Scruton, Beleza, Lisboa, Guerra e Paz, 2009, pp. 131-132.
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