Exposição patente no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa
de 20 de julho a 21 de outubro de 2012
das 10h00 às 18h00 (encerra à 2ª feira)
"O título desta exposição-ensaio retoma uma expressão que Edmond Husserl usa e analisa na conferência Die Krisis des europäischen Menschentums und die Philosophie (A crise da humanidade europeia e a filosofia), proferida em Viena no dia 7 e repetida no dia 10 de maio de 1935.
Ao pressentir o desastre europeu prestes a acontecer, Husserl faz uma análise, inédita na sua obra e de profunda autocrítica, sobre a importância da história, e lembrou os seus auditores que a unidade da vida espiritual e a atividade criativa europeia têm as suas raízes no sentido teleológico que marca a história europeia - e que a define como um lugar espiritual mais do que geográfico. E esse sentido teleológico tem a sua fundação no aparecimento da filosofia grega. No século VI a.C. surge na Grécia o homem com "tarefas infinitas".
Antes da filosofia, a cultura e o homem são tarefas completadas na finitude. Não está ainda disponível "o horizonte sem fim" aberto em redor do homem. Com o aparecimento da filosofia, o horizonte fechado e finito é substituído por um de possibilidade sem fim, sempre em reformulação. (...)
Este novo horizonte aberto ao homem revoluciona a historicidade: desaparece a humanidade finita, começa a história da humanidade com tarefas infinitas. Outros povos tiveram conhecimento, pensamento, deuses - mas, segundo Husserl, uma atitude de interesse puramente teórico e vital pelo conhecimento universal surgiu pela primeira vez com os gregos. E estes distinguem-se também pela especificidade do caráter comunitário desse empreendimento. Os filósofos, astrónomos, matemáticos (cientistas) trabalham entre si e uns para os outros, no sentido do desenvolvimento teórico. É nessa atitude que radica a "forma espiritual da Europa": com ideais orientadores para o homem singular e para as nações. (...)
Nesta conferência de Viena, o termo alemão Aufgaben (tarefas) surge, no plural e no singular, vinte e sete vezes, quase sempre em articulação direta com a palavra unendliches (infinitas). Essa repetição, feita por um filósofo rigoroso, num texto relativamente breve, demonstra a importância do conceito: o trabalho e o esforço humano não deixam de ser aquilo que são, mas passam a ter um horizonte novo. A tarefa abre-se ao que a antecede e a ultrapassa. Ao que foi e ao que virá. (...)
A palavra Aufgabe tem no seu interior a palavra dom (Gabe). A tarefa é a resposta ao dom, a uma dádiva. É um contra-dom, um sobre-dom. Construção sobre algo que recebemos, que nos foi dado. Que vem de trás e que comunicamos, alterado por nós, aos que nos sucedem. Não criamos a partir do nada, ex-nihilo.
Nessa linhagem (questionável), que Husserl faz remontar aos gregos e ao amor à sabedoria, o livro e a arte encontram-se inscritos num horizonte que os ultrapassa. E numa contínua prova mútua, o livro e a obra de arte apresentam-se como tarefas infinitas. Impelidos por um amor que envolve e ultrapassa os indivíduos: uma paixão pelo que vem."
Paulo Pires do Vale, comissário, texto do Preâmbulo do Catálogo da Exposição Tarefas Infinitas, pp. 16-17
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