Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 22 de junho de 2016

DA CONCISÃO LXXV


Larus ridibundus.
Imagem daqui.


HAI-KAI

Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio d'asas.

- Como quereis o equilíbrio?

David Mourão-Ferreira, Obra Poética, 1948-1988, Lisboa, Editorial Presença, 2006, p. 90.



quarta-feira, 15 de junho de 2016

DA CONCISÃO LXXIV


Tétis preside ao banquete das ninfas e dos portugueses na Ilha dos Amores (gravura anónima de 1880).
Imagem daqui.



"Cada texto é uma ilha onde o autor
persegue como ninfas as palavras."

Manuel Alegre, Poesia, vol. II, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2009, p. 523.




terça-feira, 14 de junho de 2016

OS JACARANDÁS DE LISBOA


Jacarandá. Imagem daqui.



AOS JACARANDÁS DE LISBOA

São eles que anunciam o verão.
Não sei doutra glória, doutro
paraíso: à sua entrada os jacarandás
estão em flor, um de cada lado.
E um sorriso, tranquila morada,
à minha espera.
O espaço a toda a roda
multiplica os seus espelhos, abre
varandas para o mar.
É como nos sonhos mais pueris:
posso voar quase rente
às nuvens altas - irmão dos pássaros -
perder-me no ar.

Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede (2001), in Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Século XIII ao Século XXI, seleção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto, Porto Editora, 2009, p. 1454.



segunda-feira, 13 de junho de 2016

sexta-feira, 10 de junho de 2016

DIA DE CAMÕES



Tétis descreve a Máquina do Mundo ao Gama. Ilustração da edição de 1639, de Faria e Sousa.
Imagem daqui.




EM LOUVOR DO SENHOR LUÍS DE CAMÕES,
QUE ESCREVEU EM LÍNGUA HISPÂNICA
DA VIAGEM DE VASCO


Vasco, de quem o mastro audacioso
de encontro ao sol que nos retraz o dia
as velas desfraldou, e que volvia
de onde só há naufrágios desastroso,

não mais, por ti, de um oceano alteroso
triunfa o que ao Ciclope impôs mestria,
nem o que na caverna entrou da Harpia,
nem mais merecem verso numeroso.

E agora que do Luís agudo e culto
tão alto se alça o voo sublimado
que tua quilha não mais longe atinge,

pra quantos cobre o nosso pólo o vulto
e os que do oposto os astros hão fitado,
o Louro é del' com que te a Fama cinge.

Torquato Tasso (1544-1595), Itália


Poesia de 26 Séculos - de Arquíloco a Nietzsche, antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, Porto, Edições ASA, 2001, p. 133.


quinta-feira, 9 de junho de 2016

NÍVEL DE AÇÃO


Imagem daqui.



«Numa das letras da cantora Taylor Swift está presente a expressão "Even if it is just in your wildest dreams" que, traduzida para Português, significa "mesmo que seja apenas nos teus sonhos mais loucos". A expressão transmite a seguinte mensagem: se queremos algo, mas pensamos que só nos nossos sonhos mais loucos é que isso acontece, devemos perseguir os nossos sonhos, pois se não tentarmos nunca saberemos onde poderemos chegar.

Isto pode acontecer em qualquer situação, seja ela querer ganhar uma competição em algum desporto, seja quando queremos conquistar o coração de alguém. Há exemplos de artistas ou atletas que quando eram mais novos não tentavam aquilo em que são agora especialistas, por acharem ser tarefa impossível.

Imaginemos a seguinte situação: uma pessoa quer conseguir dar 200 toques numa bola. Experimenta as primeiras 20 vezes e o que consegue são apenas uns fraquinhos 15 toques. Se adotar a expressão de Taylor Swift, vai entrar na sua segunda personagem, o nível de ação aumenta e aí já consegue atingir 75 toques. Ainda não chega. O nível de ação volta, então, a aumentar e a pessoa entra na sua terceira personagem, somando 160 toques. Vê  que não consegue mais, pensa em desistir, mas o nível de ação não a deixa desistir porque explode. A pessoa lá vai tentar novamente, desta vez a ver tudo num tom arroxeado (porque só tem no campo de visão a bola de futebol que está aos seus pés); consegue 300 toques. Aí vemos o resultado final de nunca desistir.

E o que é esse tal "nível de ação"? É o que cada pessoa tem dentro do seu espírito e a faz pensar "só saio daqui quando conseguir", levando-a a atravessar quatro estádios diferentes: Normal, Focado, "Indistraível" e Imparável. Esse "nível de ação" varia de pessoa para pessoa, sendo umas mais infetáveis que outras. Esse nível existe, garanto a toda a gente.

Rafael Silva, Aluno do 10º SE3 desta Escola.


terça-feira, 7 de junho de 2016

FESTA DO JAPÃO EM LISBOA



Imagem e programa detalhado no sítio da Embaixada do Japão em Lisboa.

Festa do Japão em Lisboa

18 de junho de 2016
Parque das Nações, Lisboa.



segunda-feira, 6 de junho de 2016

UMA CIDADE INVISÍVEL

Michelangelo Buonarroti, Sibila de Delfos.
Imagem daqui.


"As Cidades ocultas. 3.


Uma Sibila, interrogada sobre o destino de Marozia, disse:
-- Vejo duas cidades: uma do rato, outra da andorinha.

O oráculo foi assim interpretado: hoje Marozia é uma cidade onde todos correm em galerias de chumbo como bandos de ratos que arrancam dos dentes uns dos outros os restos caídos dos dentes dos ratos mais ameaçadores; mas está para começar um novo século em que todos em Marozia voarão como as andorinhas no céu de verão, chamando-se como num jogo, exibindo-se em reviravoltas de asas quietas, libertando o ar de melgas e mosquitos.

-- Já é tempo de acabar o século do rato e começar o da andorinha -- disseram os mais resolutos. E de facto já sob o torvo e mesquinho predomínio dos ratos se sentia, entre a gente menos à vista, incubar um movimento impetuoso das andorinhas, que apontam para o ar transparente com um ágil golpe de cauda e desenham com a lâmina das asas a curva de um horizonte que se alarga.

Voltei ao cabo de vários anos a Marozia; a profecia da Sibila considera-se cumprida há muito tempo; o velho século está enterrado; o novo está no auge. A cidade mudou, claro, e talvez para melhor. Mas as asas que vi por toda a parte são de desconfiados guarda-chuvas sob os quais as pálpebras pesadas se baixam sobre os olhares; há gente que julga voar, mas já é muito se se elevarem do solo desfraldando balandraus de morcego.

Sucede também que, passando pelas compactas muralhas de Marozia, quando menos se espera vemos abrir-se uma espiral e aparecer uma cidade diferente, que ao fim de um instante já desapareceu. O segredo estará talvez em saber quais as palavras que se devem pronunciar, quais os gestos a fazer, e em que ordem e ritmo fazê-los, ou então basta o olhar a resposta o aceno de alguém, basta que alguém faça qualquer coisa só pelo prazer de fazê-la, e para que o seu prazer se torne o prazer dos outros: nesse momento mudam todos os espaços, as alturas, as distâncias, a cidade transfigura-se, torna-se cristalina, transparente como uma libélula. Mas tem de acontecer tudo como que por acaso, sem lhe dar demasiada importância, sem a pretensão de se estar a realizar uma operação decisiva, tendo bem presente que de um momento para o outro a Marozia de outrora voltará a soldar o seu teto de pedra teias de aranha e bolor sobre as cabeças.

O oráculo enganou-se? Nada o garante. Eu interpreto-o deste modo: Marozia consiste em duas cidades: a do rato e a da andorinha; ambas mudam com o tempo; mas não muda a sua relação; a segunda é a que está para se libertar da primeira.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis, Alfragide, Dom Quixote, 2015, pp. 164-165.


sexta-feira, 3 de junho de 2016

A PONTE DE VAN GOGH

Vincent Van Gogh, Pont Langlois, Arles (1888).
Imagem daqui.




A PONTE DE VAN GOGH

O lugar não importa: pode ser o Japão, a Holanda, a campina inglesa.
Mas é absolutamente preciso que seja domingo.

O azul do céu ecoa na esmeralda do rio
E o rio reflete docemente as margens de relva verde-laranja
Dir-se-ia que da mansão da esquerda voou o lençol virginal de miss
Para ser no céu sem mancha a única nuvem.
A calma é velha, de uma velhice sem pátina
As cores são simples, ingênuas
A estação é feliz: o guarda da ponte chegou a pintar
De listas vermelhas o teto de sua casinhola.
E, meu Deus, se não fossem esses diabinhos de pinheiros a fazer caretas
E a pressa com que o homem da charreta vai:
- A pressa de quem atravessou um vago perigo
Tudo estivesse perfeito, e não me viesse esse medo tolo se a pequena ponte levadiça
Desabe e se molhe o vestido preto de Cristina Georgina Rossetti
Que vai de umbrela especialmente para ouvir a prédica do novo pastor da vila.

Vinicius de Moraes, Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1998, pp. 508-509.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

VI CICLO DE CONCERTOS A 6 ÓRGÃOS


Imagem e informações detalhadas aqui.


UMA LISBOA PÓS-MODERNA


M. C. Escher, Relativity (1953).
Imagem daqui.



«Resvés ao caminho-de-ferro de Entrecampos, em rua estreita e discreta, de que o nome não me ocorre, foi construído, há anos, o controverso edifício da Fundação Helmut Tchang Gomes, que, como é sabido, suscitou indignações veementes na migalha de público dita "os intelectuais", cismas avinagradas na Associação dos Arquitectos, balanceios incómodos na cadeira dum ministro, e choros convulsos numa misteriosa viúva de quem nunca mais se soube nada, nem eu nem ninguém. De controversa, a instituição também houve o seu quê, quando, em tempos, sediando ainda em Belém, no bairro das embaixadas, a alguns jornais desinibidos, muito hábeis em perscrutações, lhes deu para farejar tortuosidades financeiras, sumptos bizarros e habilidades de engenharia fiscal. Os anos passaram, as inflamadas arguições bocejaram em inquéritos inconclusos, (...) e a Fundação, discretamente, pacatamente, mortiçamente, lá foi patrocinando uns concertos de câmara, uma excursão à Nova Zelândia (...) e um recital de poesia hexamétrica em baixo-latim.

Naquela rua de Entrecampos, certo dia, fizeram implodir um velho prédio de estilo dito de Munique, com larga presença de basbaques e prevenção acautelada das forças da ordem. Ergueu-se um tapume, com os competentes janelos para espreitadores profissionais, destinados a evitar o chamado efeito Parmentier, (...) tapume que atraiu mais amadores de grafitti e os roubadores de tábuas que os espreitas de feitio. Não tardarm trabalhadores imigrantes, escavadoras, martelos pneumáticos, andaimes, uma grua medonha, terror dos aviadores, e, em menos de nada, no espaço de se ir ali e já vir, estava a edificação pronta, pintada e inaugurada, com discursos, bandeirinhas e croquetes.

(...)

Sempre que em Lisboa se constrói um prédio de estilo, com prosápia inovadora, cai Tróia, caem o Carmo e a Trindade, caem dirigentes políticos, caem reputações, as ondas sonoras dos desmoronamentos imaginários ressoam, vibram, enervam, insistem, maçam e só o que não cai é o edifício em causa, como não caiu este. De novo a pacatez da Fundação foi ofendida, violada a sua discrição, e o seu nome mencionado. Houve agitação, a subir nos primeiros dias, a estacionar depois e a descer sempre daí por diante. A polémica foi transferida dos diários para os semanários, destes para as revistas especializadas, daí passou aos livros e acabou, naturalmente, no olvido. (...)

A Fundação brilha e refulge, entre os evinéis fuliginosos e azulejos tisnados das redondezas, no seu colorido de magenta, sabiamente combinado com o verde-alface de uns acrescentos metálicos construtivistas, em forma de canudo. Uns salpicos de cravos de latão dourado, organizados ao longo , da fachada, evocam formas que se prestam à discussão, embora já desapaixonada. Uns vislumbraram ali uns contornos selectos duma harpa, outros, o brado nacionalista dum barrete de campino. Numa homenagem a Jorge Luís Borges do arquitecto letrado - ou, quem sabe, do inspirado mestre-de-obras - lá está mesmo uma escada que não leva a parte nenhuma e que, a determinada vadiagem da zona, pareceu vazadouro ideal (...).

Com olhos de ver, ressalta ali a história arquitectónica da Humanidade numa síntese muito proveitosa para estudantes. Está representado o divino Imnhotep com a sua pirâmide de Sacara, Fídias com os frisos do Partenão, Vitrúvio com os seus criptopórticos, Mestre Afonso Domingues, com a abóbada da Batalha, a Bauhaus com as suas lisuras escorridas, Frank Loyd Wright com uma grande superfície vidrada, Niemeyer com uma esfera polida, e Raul Lino, com beirais próprios de andorinhas, por cima de tudo o que seja abertura, grande ou pequena, quadrada ou redonda, sisuda ou festiva. A obra figura na capa dum álbum chamado Lisboa Pós-Moderna que as más-línguas denunciam encomendado pela própria Fundação a uma senhora com fama de excelente fazedora de álbuns, especializada em porcelanas Ming (...).»

Mário de Carvalho, Era Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto, Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pp.13-16.