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Escola Secundária José Saramago - Mafra

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sábado, 16 de novembro de 2019

«O ACASO NÃO ESCOLHE, PROPÕE» - NO DIA DE ANIVERSÁRIO DE JOSÉ SARAMAGO


Imagem daqui.




O Sr. José passou uma noite difícil, a juntar às últimas que não haviam sido melhores. No entanto, apesar das fortíssimas emoções vividas durante a sua breve excursão nocturna, ainda mal tinha acabado de puxar a dobra do lençol para cima da orelha, conforme era seu hábito, e já havia caído num sono que qualquer pessoa, à primeira vista, denominaria profundo e reparador, mas logo saiu dele, bruscamente, como se alguém, sem respeito nem contemplações, o tivesse sacudido pelo ombro. Despertou-o uma ideia inesperada que lhe irrompeu no meio do sono, de um modo tão fulminante que nem deu tempo a que um sonho se tecesse com ela, a ideia de que talvez a mulher desconhecida, a do verbete, fosse, afinal de contas, aquela que ele ouvira a embalar a criança, a do marido impaciente, nesse caso a sua busca teria terminado, estupidamente terminado, no próprio momento em que deveria começar. Uma angústia súbita apertou-lhe a garganta enquanto a razão afligida tentava resistir, queria que ele mostrasse indiferença, que dissesse, Melhor assim, menos trabalho me dará, mas a angústia não desistia, continuava a apertar, a apertar, e agora era ela que estava a perguntar à razão, E que vai ele fazer, se já não pode realizar o que pensou, Fará o que sempre fez, recortará recortes de jornais, fotografias, notícias, entrevistas, como se não tivesse sucedido nada, Coitado, não acredito que o consiga, Porquê, A angústia, quando chega, não se vai embora com essa facilidade, Poderá escolher outro verbete e ir à procura dessa pessoa, O acaso não escolhe, propõe, foi o acaso que lhe trouxe a mulher desconhecida, só ao acaso compete ter voto nesta matéria, Não lhe faltam desconhecidos no ficheiro, Mas faltam-lhe os motivos para escolher um deles, e não outro, um deles em particular, e não um qualquer de todos os outros, Não creio que seja uma boa regra de vida deixar-se alguém guiar pelo acaso, Boa regra ou não, conveniente ou não, foi o acaso que lhe pôs nas mãos aquele verbete, E se a mulher for a mesma, Se a mulher for a mesma, então o acaso foi esse, Sem outras consequências, Quem somos nós para falar de consequências, se da fila interminável delas que incessantemente vêm caminhando na nossa direcção apenas podemos ver a primeira, Significa isso que algo pode acontecer ainda, Algo, não, tudo, Não compreendo, Só porque vivemos absortos é que não reparamos que o que nos vai acontecendo deixa intacto, em cada momento, o que nos pode acontecer, Quer isso dizer que o que pode acontecer se vai regenerando constantemente, não só se regenera como se multiplica, basta que comparemos dois dias seguidos, Nunca pensei que fosse assim, São coisas que só os angustiados conhecem bem.

José Saramago, Todos os Nomes, Lisboa, Editorial Caminho, 1998, pp. 47-48.



sexta-feira, 4 de outubro de 2019

DO LEVANTINO AO CREPÚSCULO


Imagem daqui.



Um levantino apaixonou-se pelo crepúsculo e estabeleceu aí residência permanente. Vive agora num avião que se desloca em sentido inverso ao da rotação da terra.

Jorge Sousa Braga, O Poeta Nu - Poesia Reunida, Porto, Assírio & Alvim e Porto Editora, 2014, p. 29.



terça-feira, 1 de outubro de 2019

PRÉMIO LITERÁRIO VERGÍLIO FERREIRA 2020


A imagem e o regulamento encontram-se aqui.



Inscrições abertas até 31 de dezembro de 2019.



segunda-feira, 23 de setembro de 2019

"QUEM LER OS LIVROS QUE EU LI" - APROXIMAÇÕES À BIBLIOTECA DE FERNANDO OLIVEIRA


Portada da Grammatica da lingoagem portuguesa, Fernando Oliveira, Lisboa,
e(m) casa de Germão Galharde, 27 de janeiro de 1536.
Imagem da BNP.



Exposição patente na Sala de Exposições da Biblioteca Nacional de Portugal, de 30 de setembro a 31 de dezembro de 2019.



sexta-feira, 20 de setembro de 2019

AGUSTINA E AS PALAVRAS


Agustina Bessa-Luís.
Imagem daqui.




AS MINHAS PALAVRAS

Um escritor é um pastor de palavras. Assim como o pastor de ovelhas as guarda para o caso de se perderem ou serem devoradas pelos lobos, também o escritor toma conta do seu dicionário, tanto académico como popular.

Conta-se que um dia Gabriele d'Annunzio, em Paris e em conversa com Anatole France, lhe disse: «Vocês, os grandes escritores, não se servem senão de cinco mil palavras, e há quarenta mil na vossa língua. Que fazem das outras trinta e cinco mil?» Anatole France não soube que responder.

Ora nós, os portugueses, temos três vezes mais vocábulos do que a França. Uma cultura muito antiga, composta de inúmeras ocasiões de transumância, de movimentos invasores e períodos de recreação e prazer provocou esse enorme registo de palavras que, como traço de convivência, sentido prático, por hábito ou afeição poética, foram compondo uma língua e enriquecendo um património escrito e oral. (...)

A semente da rebeldia que todo o escritor semeia na roda dos seus afectos e conspirações é sempre orientada no sentido do sol, ou seja, da criação e do fruto adequado tanto à subsistência como à transcendência do homem. É ao escritor, uma minoria que parecia fútil se não fosse inqualificável, que cabe esse trabalho. (...)

O escritor é um curandeiro da desolação. Umas vezes diverte, outras vezes promete, quase sempre socorre o coração da terra para que ele tenha direito à eternidade. E a eternidade, o que não tem limites, parece ser hoje uma caça cruel, feita de actos cruéis e extravagantes. E de palavras usadas. Temos que recorrer às outras, desconhecidas, que nos arcanos do tempo esperam a sua libertação.

Agustina Bessa-Luís, Revista Factos, Dafundo, nº 12, Opinião, 9 de junho de 1998, p. 98, in Ensaios e Artigos (1951-2007), vol. III, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2017, pp. 2398-2400.




quinta-feira, 13 de junho de 2019

UM «SOLZINHO DE DEUS» NO DIA DE ANIVERSÁRIO DE FERNANDO PESSOA. E DE SANTO ANTÓNIO.






A TERNURA LUSITANA ou A ALMA DA RAÇA

O costume de definir o português como essencialmente lírico, ou essencialmente amoroso - absurdo, porque não há povo quase nenhum que não seja estas duas coisas. Ao mesmo tempo vê-se que, ainda que a expressão falhe, há qualquer coisa de verdade, que não chega a descobrir-se, nestas frases.

O que é que há de quase-indefinivelmente português, de portuguesmente comum excepto a língua, a Bernardim Ribeiro, Camões, Garrett, Antero de Quental, António Nobre, Junqueiro, Correia de Oliveira, Pascoaes, Mário Beirão?

Em primeiro lugar, é uma ternura. Mas o que é essa ternura? Ternura vaga (...) em Bernardim Ribeiro, ternura que rompe a casca de estrangeirismo de Camões, no seu auge ternura heróica, ternura metafísica em Antero (curiosíssima fase de ternura que dá corpo ao abstracto, e pode amar um Deus que seja (...) uma fórmula matemática); ternura por si-próprio e pela sua terra - esquiva (...), espontânea e com o lado «tristeza» acentuado, em António Nobre (actuou (?) sobre o Sá Carneiro), ternura pela paisagem em Fialho, ternura que chega a assomar às janelas da alma de Eça de Queirós.

Chamar ao sol «solzinho de Deus» é um fenómeno especial de ternura. Nessas frases do povo está o germe de todo o pátrio.

1915?

Texto de Fernando Pessoa. Pode ser consultado em arquivopessoa.net

terça-feira, 11 de junho de 2019

IN MEMORIAM: AGUSTINA BESSA-LUÍS, 1922-2019


Agustina Bessa-Luís.
Imagem daqui.



«A arte é uma constante das realidades invisíveis. Tudo o que está patente aos nossos sentidos e ao nosso intelecto desde o princípio do homem vai-se desfazendo da bruma e aceitando comunicar-se-nos. Os artistas exprimem as mudanças dos tempos com uma agueza febril, e outros exclamam: "Os tempos mudaram!".

Agustina Bessa-Luís, prefácio, Ternos Guerreiros, Lisboa, Relógio d'Água Editores, 2018 (1ª ed. 1960), p. 10.



quarta-feira, 10 de abril de 2019

ALEXANDRE HERCULANO... SOBRE CAMILO CASTELO BRANCO


Busto de Alexandre Herculano.



«O sr. Camilo Castelo Branco é um dos escritores mais fecundos do país, e, indisputavelmente, o primeiro romancista português.»

Alexandre Herculano in Jornal do Comércio


José Viale Moutinho, Camilo Castelo Branco - Memórias Fotobiográficas (1825-1890), Alfragide, Editorial Caminho, 2009, p. 170.




segunda-feira, 8 de abril de 2019

EÇA DE QUEIRÓS... SOBRE CAMILO CASTELO BRANCO


Eça de Queirós.
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«(...) admiro sem reserva em V. Excia. o ardente satírico, neto de Quevedo, que põe ao serviço da sua apaixonada misantropia o mais quente e o mais rico sarcasmo peninsular.»

Eça de Queirós em carta a Camilo (s/d)


José Viale Moutinho, Camilo Castelo Branco - Memórias Fotobiográficas (1825-1890), Alfragide, Editorial Caminho, 2009, p. 131.



terça-feira, 2 de abril de 2019

ARGOS, O CÃO DE ULISSES


Imagem daqui.





O CÃO DE ODISSEU
FALA A ANTÓNIO CABRITA


não sei há quantos anos te espero
e eis que regressas mendigo e velho

reconheci-te Odisseu
gostaria de me ter erguido ir ao teu encontro
pousar a cabeça com a fidelidade destes anos
em tuas mãos gretadas pela demorada viagem
mas estou trôpego e quase cego
mal consigo arrastar o etéreo peso dos ossos
e quase não pressenti o cheiro dos teus passos

olhaste-me sabendo que eu te reconhecera
e te esperara pacientemente para morrer
deixa lá
talvez seja possível partilhar uma outra vida
quando nos reencontrarmos
na derradeira travessia do Aqueronte
mas agora vai não demores mais
vai Odisseu
e diz a Penélope que já pode terminar
a interminável e triste tapeçaria

                                                                            Al Berto, O Medo, Porto, Assírio & Alvim, 2017, p. 470.




terça-feira, 26 de março de 2019

CAMILO CASTELO BRANCO... SOBRE CAMILO CASTELO BRANCO


Camilo Castelo Branco.
Imagem daqui.




«No cérebro deste sujeito nunca fosforeou pirilampo de poesia bem medida. Não perpetrou grandes delitos de romantismo impresso, porque foi de uma roda de homens práticos, cépticos, desconhecidos da lua, mais amigos do teatro que das florestas rumorosas, e mais dados ao ponche queimado do que ao remugir das vagas e às brigas fagueiras do mar, do qual principalmente apreciavam as ostras na Águia d'Ouro. Foi muito parco em trovas aos objectos dos seus ais. Poesia parturejada com dor e não contada silabicamente pelos dedos fez só uma, e foi a última. Nas outras inflamava-se a frio. Quando tinha idade e dinheiro, regrava elegias.»

Camilo Castelo Branco in Cancioneiro Alegre (1879)

José Viale Moutinho, Camilo Castelo Branco - Memórias Fotobiográficas (1825-1890), Alfragide, Editorial Caminho, 2009, p. 251.




quinta-feira, 21 de março de 2019

A LIÇÃO DE GIOTTO


Giotto, Políptico de Badia, 1301-1302.




A LIÇÃO DE GIOTTO

dizem: antes dele a pintura afundava-se
naquilo que alguns pintaram para seduzir
o olhar dos ignorantes e não
o subtil prazer do espírito

possuía um rigoroso sentido do espaço e
do volume foi reformador da pintura florentina
reduziu tudo ao essencial suprimindo personagens
acessórios detalhes e pela amplitude
da composição arquitectónica atingiu grandeza
invejada e sem igual

foi ele ainda
o primeiro a enclausurar a alma
no interior de corpos limitados e sóbrios
que nos convidam à reflexão sobre a natureza humana
e sobre as coisas diáfanas do coração

Al Berto, O Medo, Porto, Assírio & Alvim, 2017, p. 421.




terça-feira, 12 de março de 2019

PINTOR, PINTURA, ORIGINAL E CÓPIA


Gregório de Matos (1633-1696).
Imagem daqui.




Retrata o poeta as perfeições de sua Senhora a imitação
de outro soneto que fez Felippe IV a uma dama somente
 com traduzi-lo na língua portuguesa.



Se há-de ver-vos, quem há-de retratar-vos,
E é forçoso cegar, quem chega a ver-vos,
Se agravar meus, olhos, e ofender-vos,
Não há-de ser possível copiar-vos.

Com neve, e rosas quis assemelhar-vos,
Mas fora honrar as flores, e abater-vos:
Dois zéfiros por olhos quis fazer-vos,
Mas quando sonham eles de imitar-vos?

Vendo, que a impossíveis me aparelho,
Desconfiei da minha tinta imprópria,
E a obra encomendei a vosso espelho.

Porque nele com Luz, e cor mais própria
Sereis (se não me engana o meu conselho)
Pintor, Pintura, Original, e Cópia.

Gregório de Matos, "Se há-de ver-vos, quem há-de retratar-vos", in Os Mais Belos Poemas Portugueses Escolhidos por Vinte e Cinco Poetas, vol. I, organização, introdução e notas de Luís Adriano Carlos, Modo de Ler, 2017, p. 291.



quinta-feira, 7 de março de 2019

MENSAGEM E POEMAS PUBLICADOS EM VIDA, DE FERNANDO PESSOA




Lançamento no dia 12 de março de 2019, pelas 18h00, no Auditório da Biblioteca Nacional de Portugal.