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"A MINHA ORTOGRAFIA
A importância da ortografia é a importância do nascimento - de pés, de cabeça, estrangulado ou com boa respiração. Eu tenho a mesma letra dos meus cinco ou seis anos, miúda, desenhada como o arco-íris num rio. Aprendi assim a jactância dos efes, a morbidez dos ás, os bês abaciais e o tê que parece um Quixote com a sua bacia de barbeiro na cabeça. Quem não ama a ortografia não respeita a cultura, a peregrinação nas matas do alfabeto. A iluminura foi o estado contemplativo da era escrita. Depois da era oral, de que nos ficou o canto como seu sacerdote supremo, veio essa intimidade ortográfica, doce, sensualíssima, com vibrações geométricas e sorrisos desmaiados de tinta simpática.
Eu nasci ortográfica como outros nascem diabéticos. O meu açúcar é a raiz da escrita, como se fosse a raiz da beterraba. Que belo é escrever por linhas direitas coisas tortas e fisgadas! A importância da ortografia, etc., etc...
Porto, 1 de Setembro de 1980"
Agustina Bessa-Luís, Caderno de Significados, selecção, organização e fixação de texto de Alberto Luís e Lourença Baldaque, Lisboa, Guimarães Editores, 2013, p. 27.
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