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“A primeira grande tónica da nossa psicologia colectiva parece ser o paradoxal. Centra-se em torno do binómio passividade-acção.
Por um lado, somos vistos
como pessimistas, contemplativos, falhos de iniciativa e tendentes ao
servilismo; por outro, marcámos a História como povo determinado, criativo,
aventureiro e idealista. Se o nosso pessimismo e demais sentimentos depressivos
são tão reais, não parecem, contudo, ter-nos condicionado como povo, nem
impedido de realizarmos o nosso destino concreto. Antes pelo contrário. Quase
sempre as grandes tragédias históricas se converteram em símbolos positivos
dinamizadores do futuro. Do confinamento físico a que Castela nos sujeitou na
Idade Média, nasceu a aventura marítima; do desastre de Alcácer Quibir, nasceu
o mito sebástico; das grandes comoções colectivas têm nascido, ao longo dos
séculos, as grandes solidariedades nacionais. (...)
Teixeira de Pascoaes via
demarcada duas linhas psíquicas na Península Ibérica: a sentimental e a
quixotesca: «O lar sentimental da Ibéria - escrevia - é a Lusitânia; como
Castela é o seu palco teatral ou quixotesco». Mas as duas linhas, na alma
lusíada, não se excluem: complementam-se. Somos, assim, uma espécie de síntese
de alma; mas uma síntese que, sendo paradoxal, é, contudo, assimilada numa
predominância sentimental. Somos - continua Pascoaes - «lembrança e esperança,
carne do Pança e osso do Quixote, fugitivo na Serra do Marão. O imortal
cavaleiro, isolado de Castela, de dramático, torna-se elegíaco. E temos a alma
dupla da Ibéria, ou uma só com duas faces: a quixotesca e a saudosa».
Outra característica da
nossa personalidade lusíada é o pendor aparentemente antifilosófico. O nosso pensar arranca da experiência, do concreto. Somos intuitivos:
pensamos sentindo. O nosso conhecimento é conhecimento «de experiência feito»,
originado, como diria o rei-filósofo D. Duarte, mais do sentir próprio do que
de teorizações abstractas: «nom compre leer per outros livros, (...), mes cada
huũ (…), consiire seu coraçom no que já per feitos desvairados tem sentido».
É assim que também o
genuíno pensamento português, a sua «filosofia» original, deve ser procurado
não nas sistematizações mentais, mas, antes, nos seus poetas. «Uma verdade,
quando aparece no mundo, - diz Pascoaes – é o poeta a primeira pessoa que
visita…»; como que a confirmar aquela sua outra palavra: «Aonde não chega a
razão, chega a inspiração». (…)”
Alfredo Antunes, Saudade e Profetismo em Fernando Pessoa –
Elementos para uma Antropologia Filosófica, Braga, Publicações da Faculdade
de Filosofia, 1983, pp.69-70.
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