Almada Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, 1964 Imagem daqui. |
ODE A FERNANDO PESSOA
Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, e não de feito, a voz de Portugal.
De verdade e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste aceitar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
e Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho
a bandeira de Portugal
vertical
sem perder para lado nenhum
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é a maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal!
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.
José Sobral de Almada Negreiros, freguesia da Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970
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