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Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 22 de abril de 2013

O LIVRO E O QUE ELE RETRATA

Os doze profetas, obra do Aleijadinho.
Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais, Brasil
Imagem daqui.
 
 

“Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Jonas, Joel, Amós, Nahum, Abdias, Habacuc: meus doze amigos e sombrios profetas ficaram para trás; da minha janela, nesta casa de Mateus, vejo o vale, suas trilhas, as lavouras, os pastos e a floresta, a Pedra do Papagaio. Já estou aqui há muitas semanas; o inverno transforma-se em primavera cálida e florida; na janela há uma planta colorida, a buganvília, e o dia todo beija-flores de tons metálicos vêm visitá-la: param no ar, vibrando as asas como besouros, e bebem o néctar doce. É curioso que este lugar, escolhido por Mateus, tenha sido visitado há oitenta anos por Saint’Hilaire e que ele tenha descrito o vale e as montanhas com tantos detalhes. Foi como uma premonição para mim.

*

Antes de nossa viagem para o Brasil, naqueles dias em que visitamos Firmiano em Digne, na Provence, ele havia falado muito das viagens de seu mestre; nos mostrara os livros editados na França e nos dera uma coleção deles para nos ajudar em nossa busca. Eu os lera antes mesmo de partirmos; mas eram tantas as informações, que registrei apenas o essencial: os guarani, os botocudos, o Rio de Janeiro – informações de viagem. Além disso, o impacto da realidade, desde que havíamos aportado em Salvador, sobrepujara o conteúdo de qualquer texto; havia muito o que aprender no dia a dia. Seus livros continuam comigo, como continuam as obras de Gonçalves Dias. Outro dia, voltando de um passeio pelo sopé da grande pedra, Mateus mostrou-me uma flor complexa, com profunda coloração lilás e sabor de hortelã; mas não sabia seu nome. Ao retornar, busquei os livros de Saint’Hilaire para ver se ele a havia registrado. Foi então que, surpreso, descobri que ele havia citado não apenas essa flor, mas que fizera uma descrição primorosa de todo o vale, da serra, das pedras, e até mesmo da gente que habita por aqui; Mateus escolhera o lugar certo para viver.”
Murilo Carvalho, O Rastro do Jaguar, Alfragide, Leya, 2009, pp.236-237.
 

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