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Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

DIA DOS NAMORADOS 2014 (III)

"Amor", Carlotta Castelnovi


                                                                               
Piropo


     A vida de qualquer rapaz deve ser ler, escrever e correr atrás das raparigas. Esta última parte é muito importante. Hoje em dia, porém, os rapazes de Portugal já não correm atrás das raparigas - andam com elas. A diferença entre «correr atrás» e «andar com» é, sobretudo, uma diferença de energia. Correr é galopar, esforçar, persistir, e é alegria, entusiasmo, vitalidade. Andar é arrastar, passo de caracol, pachorrice, sonolência. O amor não pode ser somente uma partida de golfe, em que dois jarretas caminham devagar em torno de alguns buraquinhos. Tem de ser, pelo menos, os 400 metros barreiras.
   (...)
    Os rapazes de hoje já não perguntam às raparigas se os anjos desceram à terra, ou que bem fizeram a Deus para lhes dar uns olhos tão bonitos. Dizem laconicamente, com o ar indiferente que marca o «cool» da contempo­raneidade «Vamos aí?». Ou simplesmente «Bora aí?». Nos últimos tempos, tanto em Lisboa como na linha de Cascais, esta economia de expressão atingiu até o cúmulo de se cingir a um breve e boçal «Bute?». «Bute» signi­fica qualquer coisa como «Acho-te muito bonita e desejável e adoraria poder levar-te imediatamente para um local distante e deserto onde eu pudesse totalmente desfazer-te em sorvete de framboesas». Mas, como os rapa­zes só dizem «Bute:», são as pobres raparigas que têm de fazer o esforço todo de interpretação e de enriqueci­mento semântico. São assim obrigadas a perguntar às amigas «Ó Teresinha, o que é que achas que ele queria dizer com aquele bute?». E chegam à desgraçada condição de analisar as intenções do rapaz mediante uma série de considerações pouco líricas - foi um «Bute» terno ou ríspido, sincero ou mentiroso, terá sido apaixo­nado ou desapaixonado?
   Isto não pode ser, até porque há uma tradição a manter. Imagina-se alguma rapariga a dizer «Ai, Lena... quando ele disse 'Bute' subiu-me o coração à boca!». A verdade é que o coração é um órgão bastante pregui­çoso e só se dá ao trabalho de subir à boca quando se lhe dão excelentes motivos para isso.
    De uma maneira geral, todas as palavras que não se imaginam num soneto de Camões são impróprias. O amor pode ser um fogo que arde sem se ver, mas não basta tomar o facto por dado e dizer simplesmente «Bute» - é preciso dizer que arde sem se ver. Mesmo que não arda, mesmo que se veja.

   CARDOSO, Miguel Esteves - A Causa das Coisas. Lisboa: Assírio & Alvim, 6ª ed. 1988, p. 227-228.

O livro está disponível  para requisição na BE da ESJS.

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