“(…).
O reino saloio fica às abas de Lisboa. Uma corografia de carácter étnico teria
de lhe marcar os limites, tanto a sua população de estranho particularismo a
distingue, estendendo até ao seu «lácies» característico ao campo que cultiva,
às casas que habita, às povoações em que se concentra. O rodar dos anos, e com
ele o rodar da vida, têm-lhe diminuído o território. Sobre os influxos
civilizadores que lhe vem obliterando a fisionomia em sucessivos assaltos a que
os seus naturais, aliás, tem resistido com despremiada heroicidade, as regiões
limítrofes mais penetráveis aos contactos da civilização foram-lhe conquistando
terreno absorvendo o tipo primeiro, e descaracterizando-o depois. (…)
No sentido norte-sul, começa em
Carriche, acaba em Mafra; no sentido leste-oeste vai das povoações ao ocidente
de Mafra até ao vale de São Gião no termo de Bucelas. Para lá destas linhas o
saloio já está inquinado, já não é puro, já não o típico descendente da
população árabe primitiva consentida, pelo conquistador de Lisboa, nos
subúrbios da cidade, e que se estendeu para o norte, poente e nascente, pagando
o çalaio pelo pão cozido, como contribuição compensadora da tolerância do rei;
nem representa, também, o núcleo franco dos povoadores nórdicos que ao depois
vieram, e com eles se cruzaram dando-lhes sobre o trigueiro rude, a mescla
loira, mais nobre e pura que tão amiúde os distingue.
O termo de Lisboa (…) foi a fixação
corográfica do reino saloio. Fê-la D. João I, merceando a sua população fiel
que tanto o ajudara na defesa da cidade contra os cercos de Castela.
Vila Franca, Alenquer e Torres
Vedras eram as póvoas limítrofes da região que se privilegiava. Os colonos
francos e flamengos, vindos na época do povoamento (século XII e XIII) trazendo
o loiro para junto do escuro, mesclaram os moçárabes afonsinos, fundaram póvoas
– as vilas francas do arrabalde – e ajudaram assim à formação do tipo clássico
do saloio, oscilando entre o tisnado bárbaro da África superior e o rosado
loiro dos homens do norte.”
Gustavo de Matos
Sequeira, “Os Saloios”, in O Concelho de
Mafra, jan. 1958, apud Florilégio de
Tradições do Concelho de Mafra, seleção, organização e notas de Manuel J.
Gandra, Casa do Povo de Mafra, 2013, pp.365-366.
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