Minhota (Maria), não datado, António Carneiro
“Entretanto, o barão do Rabaçal mobilava uma casaria provisoriamente no Poço das Patas, enquanto não fazia o palacete. Os estofos vinham de Lisboa, do Gardé, acompanhados de um prático, que havia de armar, dispor, harmonizar. (…) Ele pediu tudo, guiando-se pelos artigos que vira anunciados no leilão de um visconde que falira no Porto, um homem de gosto muito fino e perfeito em cores ardentes, infernais. Pediu mais a um seu amigo, também titular e minhoto, o barão da Corujeira, residente na capital, e casado com uma senhora elegante, de olhos piscos e luneta, muito falada na crónica dissoluta, que lhe mandasse os ingredientes que ele vira na toilette de sua esposa, e deu-lhe parte que se ia casar, e arrumar de todo com o negócio de Vassouras. O barão, consultando a esposa, mandou-lhe lait d’amandes douces para dulcificar as loções, e vários savons de thridace e de la reine des abeilles, com algumas caixas de porcelana cheias de la crème froide mousseuse e fleur du lys, tudo para dar macias frescuras e odores asiáticos à epiderme de Custódia. Mandou-lhe um hidróforo para pulverizar o banho, com uma explicação em francês. Para o cultivo dos cabelos, entre outras pomadas caras, enviou-lhe baume des violettes d’Italie, composto de óleos virgens de uma pureza virginal e vários tutanos; e, de igual eficácia, la crème fondante, e la crème Sévigné, e la pommade régénératrice; mas, sobretudo, a baronesa da Corujeira recomendava à sua futura colega e amiga o uso diário de l’eau rédivive de Nagasaki, de origem japonesa. Aconselhava-a a não usar do cold-cream que era já rococó; mas sim de l’eau de beauté e do crème Pompadour; quanto ao lait de concombre, às eaux de la reine de Hongrie e de lavande, que não usasse que já não era moda, e não se encontravam nos talismans de la beauté de Louis Claye. (…) Para esmero das unhas recomendava-lhe la poudre orientale, e para dar brilho aos olhos e às sobrancelhas o koheuil e l’eau de plantain et de roses. Para os dentes les larmes de l’aurore, pulverização do mastic que as sacerdotisas de Vénus mastigavam. «Eu e minha mulher gastamos destes vons pozes», escrevia o barão com a língua menos limpa que os dentes. O do Rabaçal mandou perfilar os frascos e as bocetas na toilette, com muitas quinquilharias, segundo as indicações do prático. A irmã perguntou-se se aquilo tudo eram remédios para se purgar.”
Camilo Castelo Branco, Eusébio Macário, Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, 1991, pp. 103-105.
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