Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 15 de junho de 2012

SALOIOS I

Terra Saloia, Permanente Romaria da Estremadura, 1948, Sala da Estremadura do Museu de Arte Popular, pintura mural de Paulo Ferreira
Imagem daqui.

"O topónimo Saloios, se é que se pode considerar como tal, nunca teve uma consagração administrativa (civil, judicial ou militar), ao contrário de outros que apresentam algumas similitudes na escala (local/ sub-regional), como algumas terras (Basto, Maia, Santa Maria...) ou pequenos territórios na área da Grande Lisboa, como Caparica ou Azeitão. Por outro lado, no caso dos Saloios nem existe a consagração da designação em nome de lugares (ao contrário do que seria de esperar), nem se verificou qualquer fenómeno de polarização interna nesse território; a haver polarização é sempre para o exterior: seja ela de natureza socio-económica, na direcção de Lisboa, seja religiosa, para os santuários excêntricos como os das Senhoras do Cabo Espichel, da Nazaré ou da Atalaia. (...)

O que terá permitido, ao longo dos séculos, segundo algumas hipóteses ao longo de dois milénios, a permanência de uma identidade cultural (embora em evolução permanente), com uma nítida e relativamente fixa expressão territorial de base?

A melhor resposta que encontro para esta pergunta poderá parecer absurda, isto é, contrária a muitas explicações para situação com alguma afinidade com esta: creio que uma das razões, talvez a principal, que explica a continuidade dos saloios é a proximidade de Lisboa. A vizinhança de uma grande cidade, se empurra os camponeses e ocupa terras férteis, criando situações de tampão, valoriza as faixas a seguir. Por outro lado, a proximidade da capital permite, através de um mecanismo complexo, a valorização e a manutenção de certos arcaísmos: realizado através de pendulações (diárias, semanais...), o convívio do saloio com a cultura urbana e mesmo com o mercado de trabalho urbano, permite-lhe um diálogo sem assimilação ou integração, o que não acontece com os imigrantes da "província" que procuram a rápida assimilação.

A visão que o citadino tem do saloio, embora aparentemente depreciativa, no fundo é valorativa - e o habitante da periferia rural de Lisboa também o entende assim. (...)

Quando a cidade começa a acentuar as suas externalidades negativas, sejam elas decorrentes da poluição (os fumos, as poeiras, os miasmas), da difusão de epidemias ou da vida febricitante, os saloios constituíram o refúgio, representando muitas vezes o voltar à Mãe Natureza, às origens: assim como D. Duarte, no século XV se refugiou em Carnide da peste que grassava em Lisboa, vários séculos volvidos o burguês Cesário Verde recorre à quinta dos pais em Linda-a-Pastora para encontrar lenitivo para a tísica, acabando por falecer noutra aldeia saloia da periferia, o Lumiar; ao mesmo tempo que os seus conterrâneos fustigados pelo mal do século não eram aceites nos hotéis de Caneças, sendo recebidos mais longe, também em terra saloia - Montachique, onde se desenvolve um núcleo sanatorial.

O voltar à Natureza! Ainda hoje, como ao longo de todos aqueles séculos, os saloios, a terra saloia, são sinónimo e alternativa para o refúgio mítico. No fundo, a terra saloia representou sempre para o lisboeta de todas as classes a satisfação de uma série de ansiedades míticas (...) - o quadro dos prazeres simples e naturais."

Jorge Gaspar, "Território dos Saloios", in Etnografia da Região Saloia - A Terra e o Homem, Sintra, Instituto de Sintra, 1993, pp. 3-12.


Sem comentários:

Enviar um comentário