Chemin montant dans les hautes herbes (1875), de Pierre-Auguste Renoir
“Depois,
o Fístula portou-se bem, laborioso, inteligente. Ia à colheita das ervas na
estação própria, e fazia manipulações, aviava receitas com limpeza, assobiando
fados cheios de saudades das Travessas e dos seus condiscípulos malandros.
Conhecia as flores do urgebão, em espigas filiformes, roxas, de sabor amargo,
boas para cataplasmas com gemas de ovos nas intumescências do fígado; as
urtigas, sedosas, cheias de tubérculos que espirram à epiderme um líquido
cáustico, e que bem espremidas dão um suco muito medicinal na brotoeja; a
alfavaca sudorífera; a arruda, muito oleosa, de um odor acre, muito usada em
infusão pelas mulheres opiladas, amarelas, congestionadas, histéricas, com
grande peso nas virilhas e zumbidos nas orelhas; a parietária vermelha,
empubescida, acre, nitrosa, muito diurética; a malva emoliente, estimável em
gargarejos e clisteres e nos semicúpios refrigerantes; o verbasco que frutifica
umas cápsulas biloculares muito peitorais; a bardana dos monturos, de raiz
fusiforme, tónica, sudorífera, antídoto das herpes; a salva, de flor violácea,
aromática, muito provada nas esquinências, gargarejada com um golpe de mel; os
grãos do funcho estriados, cilíndricos, famosos nas cólicas; a erva-cidreira,
de aroma citrino, excitante, digestiva e antiespasmódica; a erva-moura que é
narcótica; a hortelã vermelha, eficaz contra o reumatismo e nos narizes tapados
por fluxões crassas; a mostarda, sinapis nigra, a do sinapismo, o
divino sinapismo derivativo, revulsivo, que puxa às pernas o morbo do cérebro,
dos olhos, da garganta; as bagas dos murtinhos para lavagem das impigens,
cozidas e feitas em pó, muito antipútridas, contra chagas canceradas, crónicas;
a tília para os chás das velhas que impam e arrotam com grandes borborigmos de
gases, e dizem que têm flato. Conhecia todas as ervas e arbustos que secavam em
tabuleiros na eira. E os porcos às vezes foçavam nas ervas e raízes,
misturando-as; mas ele com o fino sentimento moderno ecléctico em terapêutica,
colhia do sequeiro as plantas às manadas e atirava com elas às gavetas que
tinham rótulos grudados (…). Ele também manipulava o unguento de basilicão,
derretendo o pez no azeite e na cera; e, quando o mexia no gral, zangava-se,
dando ao diabo a farmácia, ou cantava fados com um grande azedume
mefistofélico. Fazia ceroto de espermacete, com que se curavam os cáusticos e
as queimaduras; e o unguento de Genoveva e o de Madre Tecla, muito bom para
amadurecer abcessos com o seu litargírio, e sebo de carneiro; não lhe punha a
manteiga da fórmula porque preferia comê-la com pão trigo. Havia grande
provisão em potes de unguento da Madre Tecla, receita que lhe ensinara o
brasileiro da Casa Grande, muito atreito a furúnculos nas costas e na região
sob e sobre; tinha de sua lavra muitos frascos de pomada mercurial de que ele
gastava um terço no seu consumo próprio pessoal; enquanto o pai e o abade,
inveterados nas hemorróidas, lhe gastavam em breves prazos o unguento de
populeão em unturas, de cócoras, José Macário, o Fístula, trabalhava,
regenerava-se.”
Camilo Castelo
Branco, Eusébio Macário, Biblioteca
Ulisseia de Autores Portugueses, 1991, pp. 46-47.
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