Saudade, Almeida Júnior (1899)
“A SAUDADE PORTUGUESA
É inexacta a ideia que outras nações desconheçam esse sentimento. Ilusória é a afirmação (já quase quatro vezes secular), que mesmo o vocábulo Saudade – mavioso nome que tão meigo soa nos lusitanos lábios –, não seja sabido dos Bárbaros estrangeiros (estrangeiro e bárbaro são sinónimos), não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na Galiza de além-Minho.
Há quatro vozes peninsulares, de origem neolatina todas elas, que são sinónimas de saudade. E todas elas foram já citadas por críticos nacionais e estrangeiros.
Certo é apenas que não correspondem plenamente ao termo português. Certo, sobretudo, que não têm nem de longe, na economia dos respectivos idiomas-irmãos, a importância e frequência da saudade na língua portuguesa; nem tão-pouco o quid, o não-sei-quê, de misterioso que lhe adere.
Isso vale tanto do castelhano soledad soledades (do mesmo modelo etimológico, evidentemente), como do asturiano senhardade, de singularitate; vale tanto do vulgarismo galiziano morrinha, como do catalão anyoransa, anyorament (…)
Apesar dessas conformidades não nego de maneira alguma que o doloroso e doentio achar menos daquilo que amamos – pessoa ou coisa – provocado pelo allontanamento quer corporal quer espiritual, o ricordarsi del tempo felice nella miseria, fosse mais frequente do que algures, na terra portuguesa, e nos séculos dos Descobrimentos e das Conquistas longínquas na África, Ásia, América. Nem nego que a Saudade seja traço distintivo da melancólica psique portuguesa e das suas manifestações musicais e líricas, muito mais do que a Sehnsucht é característica da alma germânica. (…)
A saudade e o morrer de amor (outra face do mesmo prisma de tenra afectividade e da mesma resignação apaixonada) são realmente as sensações que vibram nas melhores obras da literatura portuguesa, naquelas que lhe dão nome e renome. Elas perfumam o meigo Livro de Bernardim Ribeiro e os livros que estilisticamente derivam dele, como a Consolação de Israel de Samuel Usque, e as Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso. Perfumam as Rimas de Camões e os Episódios e as Prosopopeias dos Lusíadas. Perfumam as Cartas da Religiosa Portuguesa; e as criações mais humanas de Almeida Garrett, a Joaninha dos olhos verdes e as figuras todas de Frei Luís de Sousa. Não faltam no Cancioneiro do povo; nem já faltavam, na sua fase arcaica, nos reflexos cultos da musa popular que possuímos, isto é nos cantares de amor e de amigo dos trovadores galego-portugueses, no período que se prolongou até aos dias de Pedro e Inês (…).”
Carolina Michaëlis de Vasconcelos, “A Saudade Portuguesa”, in Filosofia da Saudade, Seleção e Organização de Afonso Botelho e António Braz Teixeira, Coleção Pensamento Português, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986, pp. 145-149.
E como este texto termina com referência a essa tão nossa tragédia amorosa, deixo aqui a referência.
ResponderEliminarBailado Pedro e Inês da Companhia Nacional de Bailado. Assisti há já alguns anos, mas foi algo inesquecível!
Lindíssimo, neste momento em digressão internacional, mas no regresso vale a pena, vale mesmo muito a pena.
Uma história incontável.
Mortal e imortal!
Cheia de segredos transparentes, de meandros obscuros, de interesses privados, de poder, defesas, fronteiras e, sobretudo de uma louca e incondicional paixão. Tudo passado por bailarinos fantásticos e pela coreografa e dramaturga Olga Roriz.
Disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=HmcFfGaS_-w