"El Garrotillo", de Francisco Goya (1746-1828) - identificado com uma cena do Lazarilho de Tormes.
“TRATADO
I
LÁZARO
CONTA A SUA VIDA E DE QUEM É FILHO
Saiba,
pois, vossa mercê, antes de tudo o mais, que me chamam Lázaro de Tormes, filho
de Tomé Gonçalves e de Antónia Peres, naturais de Telhares, aldeia de
Salamanca. Nasci dentro do rio Tormes, pelo que dele tomei o sobrenome. E assim
foi. O meu pai (que Deus lhe perdoe!) tinha o cargo de alimentar o moinho duma
azenha, que há na margem daquele rio, na qual foi moleiro mais de quinze anos. E
estando a minha mãe uma noite na azenha, grávida de mim, vieram-lhe as dores do
parto e pariu-me ali. De modo que com verdade me posso considerar nascido no
rio.
Ora,
sendo eu menino de oito anos, atribuíram ao meu pai certas sangrias abusivas
que apareceram nos costados dos sacos que ali levavam para moer, e por isso foi
preso, e confessou e não negou, e sofreu castigo da justiça. Espero em Deus que
esteja em glória, porque o Evangelho lhes chama bem-aventurados. Nesse tempo organizou-se
uma expedição contra os mouros, e nela foi o meu pai, que então estava
desterrado por via do desaire de que falei, com o cargo de azemeleiro de um
cavaleiro que foi na expedição. E com o seu senhor, como leal criado, se
extinguiu a sua vida.
Minha viúva
mãe, como se visse sem marido nem amparo, decidiu encostar-se aos bons para ser
um deles, e veio viver para a cidade (…)”
Lazarilho de Tormes, trad. de Arsénio
Mota, coleção Os Clássicos Espanhóis, Barcelos, Livraria Civilização Editora,
1977, pp.19-20.
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