Ulisses e Neoptólemo arrancam a Filoctetes as flechas de Hércules, François-Xavier Fabre (1800)
Imagem daqui.
“Introdução
O Filotectes
(409 a.C.) baseia-se no contraste entre três figuras, duas que se opõem
frontalmente, Filotectes e Ulisses, e uma terceira que é atraída ora para a
esfera de um, ora para a esfera do outro, Neoptólemo. Filotectes, o homem
abandonado que a solidão e o sofrimento endureceram, sem lhe destruírem a
sensibilidade; Ulisses, o político sem escrúpulos morais que age pelo
oportunismo e interesse e utiliza quaisquer meios para atingir os seus
objectivos; Neoptólemo, o jovem ingénuo, bom e generoso, que aprende com as
situações embaraçosas, e sofre uma visível transformação psicológica. Da correlação
de forças entre estas três personagens nasce e se desenvolve a acção. (…)
Um (…)
aspecto que se encontra corporizado na figura de Neoptólemo e que talvez derive
mesmo da realidade da época (…) é o de saber até que ponto um soldado deve
seguir as ordens injustas do chefe, as ordens que a sua consciência desaprova. Deve
obedecer, sabendo que são injustas, ou desobedecer, incorrendo, por isso, numa
falta militar? É o velho problema da disciplina do exército: na opinião de
Ulisses, o soldado, para maior eficiência, deve obedecer cegamente às ordens
dos seus chefes. (…) No Filotectes, Sófocles toma nitidamente partido pela
desobediência, pela autonomia da consciência individual e pela transcendência
de valores: Neoptólemo, embora tema ser considerado um traidor, se desobedecer,
e apesar de Ulisses lhe lembrar que está sob as suas ordens, acaba realmente
por desobedecer (…).
Filoctetes,
Ulisses e Neoptólemo – três figuras que corporizam altos problemas morais,
sociais e educativos. No seu confronto, assistimos à vitória da justiça, quer
através da derrota total dos que usam da injustiça, quer através da recompensa
dos deuses ao homem que longo tempo a sofreu e que recebe armas para fazer
prevalecer a sua vontade contra todas as pressões, venham elas dos homens ou do
poder.”
Sófocles, Filotectes, tradução, introdução e notas
de José Ribeiro Ferreira, Lisboa, Edições 70, 2005, p. 11-30.
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