L'écolier, Robert Doisneau (1956)
Foto daqui.
A todos os Alunos, Crianças, Jovens e Adultos,
a nossa dedicação
Florilégio feito a partir do Diário do Professor
Sebastião da Gama, escrito durante o seu Estágio de Português, na Escola Veiga Beirão,
no ano letivo de 1948-1949.
“Janeiro, 12
«O que eu
quero principalmente é que vivam felizes.»
Não lhes
disse talvez estas palavras, mas foi isto o que eu quis dizer. No sumário, pus
assim: «Conversa amena com os rapazes.» E pedi, mais que tudo, uma coisa que eu
costumo pedir aos meus alunos: lealdade. (…)
Março, 4
O que
interessa mais que tudo é ensinar a ler. Ler sem que passe despercebido o mais
importante – e às vezes é pormenor que parece uma coisinha de nada. (…) É
também de interesse primário levar os rapazes a amar as palavras – mostrar como
são cheias de beleza, outras como são engraçadas, outras como são doces. Ora para
amar as palavras e para, a seguir, amar a leitura, é aconselhável, como diria
La Palice, não fazer desamar as palavras, nem fazer desamar a leitura. Que amor
terá uma criança por uma palavra que a fez suar, levar descomposturas, levar
reguadas? (…)
Março, 18
(…) A
respeito de números, lembra-me sempre aquela vez em que fui ao Orfanato falar
com o meu amigo Manuel Calvinho, meu aluno nocturno de Francês. Perguntei: «O
Calvinho está?» - «O 12, não é?» – «Não: O Calvinho. Então não basta não ter
Pai nem Mãe, ainda lhe chamam um número?»
Eis aqui
uma coisa a ensinar nas aulas de Português: que um homem é um homem.» (…)
Março, 30
Para ser
professor, também é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de
tocar em flores. A toda a hora a Poesia nos visita.
O aluno
acredita em nós e não deve acreditar em vão. Impõe-se-nos que mereçamos, com a
nossa, a pureza dos alunos; que a nossa alimente a deles, a mantenha. (…)
Maio, 4
… Pois
que pareça mentira; dei uma quase lição de gramática e eles prestaram atenção e
até tomaram notas. O segredo é fácil de dar com ele: basta que a gente não lhes
fale de coisas abstractas, de que eles não vêem a utilidade imediata, e que
faça a aula brincando. (…)
Outubro, 22
O que era
bom era dar sempre aulas como a de hoje! Vir da aula tão feliz que tivesse
precisão de gritar ao primeiro desconhecido: - «Sabe? Dei hoje a melhor aula, a
aula mais linda da minha vida!» (…)”
Sebastião da Gama, Diário, Lisboa,
Edições Ática, 1990, pp. 23-168.
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