Papai me compra a Biblioteca
Internacional
De Obras Célebres
São só 24 volumes encadernados
Em percalina verde.
Meu filho, é livro
demais para uma criança-
Compra assim mesmo, pai, eu
cresço logo.
Quando crescer eu compro. Agora não.
Papai, me compra agora. É em
percalina verde,
Só 24 volumes. Compra, compra,
compra.
Fica quieto, menino, eu vou comprar.
Fica quieto, menino, eu vou comprar.
Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande urgente sua Biblioteca
Bem acondicionada, não quero
defeito.
Se vier com arranhão recuso, já sabe:
Quero devolução de meu dinheiro.
Está bem, Coronel, ordens são ordens.
Segue biblioteca pelo trem-de-ferro,
fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga
Vai levando tamanho universo.
Vai levando tamanho universo.
Chega cheirando a papel novo, mata
de pinheiro toda verde.
Sou o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho não: inveja de mim mesmo.)
Ninguém mais aqui
possui a colecção
das Obras Célebres. Tenho de ler tudo.
Antes de ler, que bom passar a mão
no som da percalina, esse
cristal
de fluída transparência: verde, verde.
Amanhã começo a ler.
Agora não.
Agora quero ver
figuras. Todas.
Templo de Tebas, Osíris, Medusa,
Apolo nu, Vénus nua... Nossa
Senhora, tem disso
tudo nos livros?
Depressa as
letras. Careço ler tudo.
A mãe se queixa. Não dorme este menino.
O irmão reclama: apaga
a luz, cretino!
Espermacete cai na cama, queima
Espermacete cai na cama, queima
A perna, o sono. Olha que eu tomo e rasgo
essa Biblioteca antes que pegue fogo
na casa. Vai dormir, menino, antes
que eu perca
a paciência e te dê uma sova. Dorme,
filhinho meu, tão fraquinho.
Mas leio. Em filosofias
tropeço e caio, cavalgo de novo
meu verde livro, em cavalarias me perco, medievo;
com contos, poemas
com contos, poemas
me vejo viver. Como te devoro,
verde pastagem. Ou antes carruagem
de fugir de mim e me trazer de
volta
à casa a qualquer hora num fechar
de páginas?
Tudo o que sei é ela que me
ensina.
O que saberei, o que não saberei
nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.
Relembrando o escritor cento e dez anos após o seu nascimento.
Requisite na BE a Antologia Poética.
Sem comentários:
Enviar um comentário